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“Ternura d’ouro”

 

 

Envelhecer é sinal de que se está a viver mais tempo. É um privilégio e uma dádiva Divina que nos vai fazendo passar da paixão à compaixão. Muitos dirão que na fase da juventude se cometem muitas tolices e que se embarca em algumas fantasias. É verdade! Mas, falando por mim, direi que aquilo que mais me pode atormentar não é de as haver tido em moçoilo, é não poder voltar a tê-las. Digo isto, porque em comparação com as loucuras de alguns jovens de hoje, tudo não passava de dar asas à minha imaginação. Nada de que agora me envergonhe, nem arrependa, dessas aventuras do passado. Foi tudo a seu tempo.

Ora, como nunca vivi obcecado em parar nos quarenta anos, talvez por isso, estou agora à beira dos 80. Dado ter optado como norma de que aos 20 reina o desejo; aos 30 impera a razão; aos 40 o juízo e a partir dos 50 se inicia a fase da sabedoria. Depois disso é o que a mente, as circunstâncias e a saúde nos permitirem. Foram fases da vida que me conduziram até este momento e me fizeram sustentar uma relação que dura há cinco décadas. 

É verdade, nunca na minha vida pensei chegar àquela que considero ser a ternura “d’ouro” dos 50 anos de casado, mas graças a Deus aqui estou a celebrar tão terno amor que eu e a minha esposa, diante do Altar e do Santíssimo Sacramento, juramos ser para a vida toda. Algo importante para nós e que, hoje, recordamos com imensas saudades esse dia da nossa união celebrada numa cerimónia singela, a 9 de agosto de 1975, mas repleta de significado na bonita Igreja do Colégio Montariol, em Braga.

O enlace matrimonial, foi organizado pelo meu amigo e colega de escola, Frei Andrade Café, uma boa alma cabo-verdiana, com imensos dotes religiosos e musicais. Tendo-se oferecido para tratar do evento, inclusive, de afinar o grupo coral de jovens que o abrilhantaram. Com início marcado para as 17 horas desse sábado, politicamente escaldante, em que compareceram para além dos quatro frades daquela congregação franciscana e duas freiras nossas amigas, os nossos pais e irmãos e sobrinhos. Ao todo não eram mais de 20 pessoas. O próprio fotógrafo era um membro da congregação que se dedicava ao obi da fotografia.

No final da celebração, realizada pelo saudoso Padre Araújo que, de permeio, teceu uma homilia alusiva ao ato, esperava-nos o habitual repasto nos arredores da cidade. Um momento, em ambiente familiar, que foi brilhantemente enriquecido pela voz e viola do nosso amigo frei Andrade, sempre bem-disposto e pronto a exibir a sua queda para a magia e humor. Não, sem antes e depois da refeição termos todos dado ação de graças pelos alimentos e pela alegria da boda.

A vida é o que é e o casamento para uma vida requer preparação, amadurecimento e fé, como foi o nosso caso. Eu, dois anos após os três de vida militar cumprida e ambos com emprego garantido decidimos, como se diz na gíria, dar o nó para encetar uma vida a dois. E assim foi. De forma convicta e responsável começamos a nossa vida em comum a partir do, quase, zero. Uma verdadeira aventura que nos deu imenso gosto de partilhar e que, agora, nos lembramos com ufano orgulho, d’alma cheia e sentido do dever cumprido.

Passaram 50 anos, com altos e baixos: momentos de dúvida e incerteza; algumas contrariedades (quem as não tem?); alguns amuos à mistura, mas tudo isso vencemos até este momento. Por tal resiliência e fé, Deus houve por bem conceder-nos dois rebentos que são as meninas dos nossos olhos. Educados por nós, pais, com muito amor e carinho, com os princípios do bem fazer ao próximo e mar a Deus sobre todas as coisas. 

Segredos para um casamento como o nosso, não há. Há, isso sim, compreensão e, sobretudo, um enorme respeito mútuo, lealdade e confiança um no outro. Saber escutar e dialogar com ponderação e sofrer pelos dois quando a vida é adversa. Pelo que só posso agradecer à mãe dos nossos filhos por toda a felicidade que nos une. E que Nossa Senhora do Sameiro nos ampare a todos, que bem precisamos, nesta hora de incerteza. 



 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

4 agosto 2025