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A pessoa e a ideologia

1. Miguel Torga é o pseudónimo literário de Adolfo Correia da Rocha, médico de profissão com a especialidade em otorrinolaringologia. Além do muito que de si diz nos dezasseis volumes do «Diário» escreveu a autobiografia num livro denominado «A Criação do Mundo», cuja primeira edição conjunta é um volume de quinhentas páginas impresso em 1991.

Aqui narra a prisão de que foi vítima numa altura em que tinha consultório em Leiria. Havia publicado um livro que desagradou a homens do poder. Em consequência disso foram ambos privados da liberdade. O livro, apreendido, não pôde circular; o autor foi parar à cadeia.

Porque o chefe da secretaria da prisão adoecera subitamente – um edema agudo do pulmão – viram-se obrigados a recorrer aos seus serviços, de médico. Exerceu-os, o melhor que pôde e soube. Com êxito.

A um companheiro de infortúnio, que o censurou por não ter deixado morrer o paciente, respondeu: sou médico, não se esqueça.

Recuperada a liberdade, voltou ao consultório. Verificando o regresso de parte da freguesia e alguns aplausos discretos, escreveu: «todos sabiam, por ser evidente, que, ateu ou não, comunista ou anarquista, punha a dignidade da profissão acima dos próprios interesses».


 

2. A pessoa e a ideologia. Em primeiro lugar, o ser humano. Seja o que for, tenha o que tiver, pense o que pensar, o outro é uma pessoa e como tal deve ser tratado, respeitado, servido.

Todo o ser humano tem direito a condições dignas de vida: alimentação, habitação, saúde, educação, trabalho.

A nossa sociedade seria melhor se a primazia da pessoa sempre fosse respeitada. Se todos conhecessem e praticassem quanto se diz na Constituição da República Portuguesa em relação a direitos, liberdades e garantias do cidadão.


 

3. Pessoas com responsabilidade colocam em primeiro lugar a ideologia, o que as leva a ver no outro, não um irmão mas um adversário. Em lugar de servirem a pessoa servem a ideologia. Em vez de procurarem o bem comum colocam tudo ao serviço dos interesses ideológicos. Apregoam liberdade mas vivem escravizadas. Domina-as a ideologia, espartilho a que se amarram, e à hora de tomarem decisões as não deixa com a liberdade suficiente para fazerem as opções ou tomarem as decisões que o bem comum e o bom senso recomendariam. E porque o dinheiro não sai do próprio bolso, quando têm poder são capazes de fazer contratos desastrosos.


 

4. Entre coletivismo e propriedade privada como direito ilimitado, por exemplo, ignoram a existência do termo médio. E como a ideologia lhes diz que os privados não podem ter lucros defendem as nacionalizações a torto e a direito. Mesmo relativamente a problemas que a experiência demonstra serem melhores e mais baratas soluções apresentadas pelos privados.

Na sociedade em que vivemos há o setor público, o setor privado, o setor social. Em cada um deles existem pessoas que servem pessoas e são servidas por pessoas. Pessoas que, como seres humanos que são, têm qualidades e defeitos.

O bem comum exige que cada um desses setores seja servido por pessoas honestas, conscientes, competentes.

Há ideologias – neste caso a marxista – que levam ao fanatismo e à cegueira ideológica.

A que se reconheçam apenas as virtualidades do setor público. A que se negue a importância do lucro desde que bem adquirido, justamente repartido, bem usado.

A que se não reconheça que das vigarices (que as há, não sejamos ingénuos) não estão imunes pessoas ligadas ao setor público.


 

5. A cegueira ideológica leva à defesa da ideologia de género e aos disparates que lhe estão associados.

Leva a que se negue aos pais o direito/dever de serem os primeiros e principais educadores dos filhos.

A que se restrinja o âmbito da liberdade religiosa.

A cegueira ideológica nota-se, descaradamente, no modo como se faz história e se elaboram programas escolares, se selecionam textos, se promovem autores.

Silva Araújo

Silva Araújo

31 julho 2025