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MUDAR DE VIDA

 



 

Há sempre quem não queira correr riscos quer na vida pessoal, quer na profissional, com o medo de fracassar. Havendo, também, quem ache uma grande maçada tentar virar a página da falta de ambição; de a voltar para a de um projeto que melhore as suas condições socioeconómicas e a dos seus. Preferindo manter-se, como se diz em gíria, na cepa torta. Se calhar, por preguiça ou comodismo. A não ser quando surge uma oportunidade, direi, irrecusável. 

Refiro-me à de melhor salário no emprego ou, até mesmo, de sociedade numa empresa. Sendo certo e sabido que, caso tal venha a acontecer, novas responsabilidades se abrem à pessoa. Como a de uma postura diferente à de um mero funcionário. Ou seja, terá de trabalhar com afinco em todos domínios que englobam o seu negócio, por forma a justificar o cargo e a mensalidade que aufere. 

Ser empresário, nos dias de hoje, requer uma enorme entrega, empenho e visão estratégica. Isto, para além de grande capacidade de gestão, poupança, resiliência, adaptação à evolução do mercado e atenção à evolução tecnológica. Não podendo deixar-se ficar amarrado ao ‘rame-rame’ de quando trabalhava por conta de outrem, nem à comodidade do horário fixo, das greves e gazetas ao trabalho, dado que outros valores mais altos se alevantam. Sobretudo, quando há salários para pagar, renda para honrar e impostos para satisfazer. Só quem já passou por isso saberá do que falo. 

Pois bem, a propósito disso, cito o exemplo do Freitas que durante alguns anos foi um balconista do comércio tradicional. Ele, que era tido pelos colegas como o verdadeiro terror para as entidades patronais, sempre que aparecia no vespeiro do Sindicato da classe. Ali, era o que mais vociferava contra os patrões exploradores. Acusando-os de praticarem baixos salários, excesso de horas laborais e de se oporem à semana inglesa. Enfim, um autêntico revolucionário no incentivo à greve e à revolta dos seus pares. 

Até que um dia o chefe do Freitas, já velhinho e sem filhos resolveu, generosamente, entregar-lhe a ‘quitanda’. Escusado será dizer que o nosso homem ficou num sino. Finalmente, ia ser dono da sua própria loja pronta a funcionar com mercadoria, renda antiga, nome feito e um ror de clientela fiel à casa. Aquilo a que se pode chamar de papinha pronta. Pelo que era chegada a hora de mudar de vida.

De facto, a sua nova posição logo foi notada na agremiação sindical, dado que o Freitas apenas passou a ir lá tomar a bica habitual (por ser mais barata), entrando mudo e saindo calado. Enfim, deixara de ser o espalha-brasas da contestação no setor. Cogitando os seus camaradas, entre si, sobre o que lhe teria acontecido. Até que o mais bisbilhoteiro lhes disse: – “ai vocês não sabem? Ele agora é empresário. O patrão passou-lhe a loja”.

Dado o alarme, os compinchas do Freitas começaram a ver as mudanças operadas no camarada sindical, pelo que ficaram mais atentos à sua conduta. Fazendo uma espécie de espionagem às suas atitudes empresariais e nem queriam acreditar. Então não é que passaram a ver o estabelecimento dele aberto antes, depois da hora e na pausa d’almoço? Mas o mais incrível é que, sendo contra, passou a abrir aos sábado de tarde, feriados e algumas vezes aos domingos. Até que, temendo as bocas dos seus ex-parceiros, deixou de ir ao Sindicato.

No entanto, não se livrou de encontrar na rua o Xavier, o mais frontal, que logo lhe atirou: – “então, ó Freitas, andas a fazer tábua rasa das lutas que travamos pelas redução das horas e dias de trabalho? Como é possível andares a abandonar as reivindicações que fizemos?”. Tendo-lhe ele, cinicamente, respondido: – “olha amigo, tens toda a razão! Só que eu agora tenho de honrar os meus compromissos”. Ao que aquele ripostou: – “quer dizer que já te esqueceste do quão mal dizias do teu chefe?”. Resposta dele: “Sabes, a gestão do negócio era um problema dele, agora é meu”. Situações com a realidade desta estória verificam-se, a todo o momento, no país e no mundo. 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

21 julho 2025