Há dias li esta reflexão, vinda do outro lado do Atântico, que, por ser incisiva, pode se útil para entendermos alguns dos aspetos que por cá – de forma repentina – também nos exigem discernir o significado das coisas.
«A esquerda gosta sempre de se apresentar como o partido zangado. Define-se pela sua aptidão na defesa de causas que recordam a trilogia da Revolução Francesa – liberdade, igualdade, fraternidade – com uma multidão a invadir a Bastilha.
Onde quer que haja restrições – mesmo que legítimas – a esquerda evoca a libertinagem e o permissivismo. Onde quer que surjam diferenças – mesmo as naturais, decorrentes do talento ou do esforço – a esquerda denuncia-as como injustiça e exige igualdade absoluta. Os partidos da esquerda estão sempre revoltados e à procura de uma boa revolução para agitar ou de uma crise para explorar. Desde as últimas eleições [na América], a esquerda tem estado sem rumo, desorientada e sem inspiração. Deixou de ser o partido do clamor para ser o partido da lamúria. Não há estrondo vindo da esquerda, apenas discurso incoerente».
= O autor americano considera que o debate das coisas na política mudou e a esquerda – no nosso caso português são várias esquerdas – ficou para trás. A falha na adaptação parece nítida, desde a mais ideológica – os conceitos marxistas da luta do poder e do dinheiro – até à infiltração e conquista das estruturas do poder – universidades, meios de comunicação social e cultura – mas criou-se um problema: «pelo facto de se ter apoderado das instituições do poder, pois ficou identificada com elas. Juntamente com o poder, a esquerda assumiu também atitudes complacentes e burguesas». Lá como cá esta moléstia infetou as lutas e reivindicações! O autor da reflexão, que estamos a seguir, considera que «a esquerda agora só se representa a si própria, não a nós»… cidadãos comuns.
Por seu turno, seguindo ainda o estudo americano que estamos a consultar, «os conservadores conseguiram deslocar o debate do campo económico para o cultural. A esquerda só conseguirá voltar a propor algo credível no campo económico quando se reconetar à cultura, isto é, «a esquerda não conseguirá ser ouvida enquanto não acertar nas grandes questões morais: fé, família, bandeira, respeito pelas pessoas de todas as classes sociais». Numa espécie de aferição às questões essenciais, que estão em discussão, «se a esquerda quiser voltar a ganhar, tem de deixar de ser a esquerda contestatária de ontem. Neste movimento histórico de ressentimento e desconfiança, a esquerda tornou-se alvo fácil de abater para um exército de eleitores esquecidos e magoados».
Estamos no cerne do problema da velha esquerda e daqueles que não perfilam tal ideologia: não foi o povo que mudou, foram os ‘políticos’ que deixaram de perceber o que interessa a esse mesmo povo.
= Num tempo volátil nas ideias e nas propostas, temos de aprender com os erros da passado, longínquo ou mais próximo: os temas lançados para discussão não podem continuar a ser os da dialética marxista, falida desde a queda do muro de Berlim, em 1989. A reconfiguração da Europa e do mundo trouxe novos desafios. Os clichés introduzidos na vida política emergem das necessidades das pessoas, sem fazer destas o mero objeto das propostas, mas antes o sujeito da política na sua essência.
As questões socio-económicas – a saúde ou a habitação, a justiça ou a segurança – não podem ser aquilo que ocupa o tempo de discussão e de aprendizagem. Estamos na fronteira entre o ideal e o possível, sem nunca esquecer que devemos combater as ideias e aceitar as pessoas na sua diferença. Com efeito, precisamos de levar mais a sério que a excessiva exposição dos proponentes de ideias fora da correta convivência democrática torna-se a melhor e mais barata promoção dos inimigos da própria democracia. Os factos mais recentes na nossa frágil democracia corroboram a ideia de que, quem aparece na comunicação social, mesmo pelas mais inusitadas razões, ganha protagonismo e conquista o eleitorado e não é só o menos ilustrado…A liberdade de expressão tem limites, quando sob a sua alçada se difundem valores que podem fazer perigar a tal democracia. Uma mentira por muito repetida nunca poderá tornar-se verdade…