A semana passada, como em outras tantas, por imperativos profissionais, tive de me deslocar a Lisboa, não como o faço outras vezes a comarcas portuguesas, mas para resolver assuntos administrativos que só aí podiam ser tratados, fruto de um excessivo centralismo que ainda vem de tempos antigos. Não fui à cidade, mas à capital!
Não digo isto com um toque de provincianismo, sempre fui recebido com normalidade e indiferenciadamente nas pequenas e grandes cidades do mundo. O que refiro é que continuam a ser imensos os assuntos concentrados na cidade do Tejo.
Recupero “A Capital” de Eça de Queiroz e esse Artur Corvelo que vive imerso em leituras e idealizações, desprezando a mediocridade da vida provinciana, sustentado pelas mulheres da casa, sem trabalho fixo e nunca publicando nada de significativo. Quando finalmente consegue ir para Lisboa, espera que a cidade lhe abra portas para o sucesso literário. Mas a realidade é bem diferente. Lisboa não o acolhe como ele imaginava. Artur enfrenta dificuldades financeiras, isolamento social e o desprezo do meio intelectual, perdido numa cidade que é, na verdade, dominada por jogos de aparência, vaidade e superficialidade – exatamente o que Eça de Queirós critica com mordacidade. Os sonhos vão, um a um, sendo transpostos para banalidades quotidianas – o seu livro é um fracasso de vendas, o seu génio não se distingue e o reconhecimento pessoal é uma anedota –, depressa perdem a prioridade no seu dia-a-dia preenchido de frivolidade citadina. Quando o dinheiro da herança acaba é obrigado a vender alguns fatos para a passagem de comboio para o regresso a casa, onde fruto da sua vinda de Lisboa, “gozou então alguns dias de celebridade” e até “Na missa, na Praça, era muito observado”, sendo que “a sua hora triunfante era na Corcovada”, onde “Tinha um lugar reservado, a que se chamava a mesa do Artur”. Mas o que importa mais reter, é que a crítica não é só aos males da sociedade lisboeta, mas também ao provincianismo e ao idealismo vazio.
São assinaláveis as diferenças entre a época e a atualidade. Já ninguém se deslumbra com o homem vindo da capital, nem sequer proveniente de Londres ou Nova York. Mas que tudo o que é decisivo para o país se joga em Lisboa, não parece haver dúvidas.
Na passada segunda-feira foi publicado em Diário da República o Decreto da Presidência do Conselho de Ministros, que fixou o dia 12 de outubro de 2025 para as eleições gerais para os órgãos representativos das autarquias locais. Se hoje se esbateu a diferença entre as grandes e as pequenas cidades, se atualmente se aproximou o nível de qualidade de vida e de conforto, no acesso à saúde, educação e habitação, tudo se deve ao poder local.
A relação de proximidade entre o cidadão e o político assume peculiar dimensão na municipalidade e na freguesia. A ligação no quotidiano com o poder local é muita mais efetiva do que com o poder central. O presidente da Câmara designa normalmente um dia semanal para receber os munícipes e o presidente da Junta de Freguesia é contatado a qualquer dia na rua ou na Junta. Com o primeiro-ministro isso não é possível. É indubitavelmente uma das grandes conquistas do 25 de abril. Não há democracia sem um poder local forte, autónomo e eleito diretamente pelos cidadãos locais.
O exercício do poder local passou a ser atrativo para figuras nacionais, independentes ou militantes partidários, o que se vê nas candidaturas a presidente da câmara ou mesmo pelo crescente prestígio do cargo de presidente da assembleia Municipal, de que é exemplo a concorrência ao mesmo em Braga do atual ministro da educação, uma referência no governo central.
Neste enquadramento, são dececionantes as taxas de abstenção nas eleições autárquicas. Muitas razões são apontadas para algum desinteresse pelas mesmas. Existe uma insuficiente destrinça entre os poderes autárquicos e do governo. É desejável atuar no redobrar do esclarecimento da população dos trabalhos efetuados que foram da responsabilidade do município, sobretudo os de maior envergadura, invertendo a perceção da comunidade que são obra do governo. Nessa conformidade, merece reflexão a interpretação muito restritiva que a CNE faz do artigo 10º, nº 4 da Lei nº 72-A/2015, sobretudo no que concerne à retirada de todas as afixações e outras formas de divulgação pela autarquia no período eleitoral.
Sentir o dever de votar sem trair a sua consciência é também um apelo das notas pastorais da CEP e no próximo dia 12 de outubro devemos todos responder afirmativamente ao apelo para apor o xis no quadrado.