Não é a primeira vez que, nas páginas deste jornal, evoco o Santo da minha onomástica – Santo António – no dia da sua festa litúrgica. E volto hoje a fazê-lo para lembrar uma sua faceta mais inusitada ou mais rural: a de padroeiro dos animais.
Embora divida este padroado com outros santos, como S. Francisco Xavier e Santo Antão, é inegável que Santo António foi um notável advogado da causa da Criação, na linha, aliás, dos ensinamentos da Sagrada Escritura e da espiritualidade franciscana. Como inegável é que a sua prédica e o seu exemplo nesta matéria mantém plena actualidade, à luz da encíclica “Laudato Si” (2015), do nosso querido e saudoso Papa Francisco, sobre o cuidado da casa comum, a ternura da Terra e o respeito por todas as suas criaturas. No contexto teológico da sua pregação, vale a pena revisitar o seu célebre e miraculoso “Sermão aos Peixes”.
Reza a tradição que, frustrado com a indiferença e surdez de muitos hereges de Rimini, em Itália, à sua pregação da palavra de Deus, o Santo se dirigiu à praia e, subindo a um rochedo, começou a pregar aos peixes. E que estes, em número incontável, emergiram das águas e ouviram atentamente o seu sermão.
Mais se conta que o povo daquela cidade, ao ver tal milagre, se comoveu e passou, desde então, a abrir o seu coração à Palavra divina.
No seu célebre “Sermão de Santo António aos Peixes”, o nosso grande Padre António Vieira, comentando tal milagre, elogiou “os peixes pela sua fidelidade à sua natureza criada por Deus”, convidando os homens a uma humilde escuta da Palavra. Afinal, segundo o nosso insigne prosador, como o Santo bem sabia, “toda a criação é obra de Deus” e os animais, tal qual os humanos, louvam o Criador com a sua existência.
Quer isto dizer que, na linha de S. Francisco de Assis, que louvava o Senhor por todas as criaturas, a pregação de Santo António não foi apenas dirigida aos homens, mas também a toda a criação.
Interiorizando este ensinamento, o povo de Mixões da Serra, freguesia de Valdreu, concelho de Vila Verde, desde pelo menos 1580, vem repetindo, ano após ano, o ritual da benção dos animais, no Domingo anterior ao dia 13 de Junho, data da festa do seu padroeiro, em romaria que enche o largo do Santuário de imensos devotos do concelho e das terras vizinhas que ali levam gado bovino, cavalar e caprino e muitos outros animais domésticos.
Foi certamente fruto da virtude do Santo esta deliciosa e popular estória que não resisto a recordar aqui.
“Certa vez, andando Santo António a pregar numa aldeia, constatou que ninguém lhe dava ouvidos. Por mais que falasse de fé, de bondade, de milagres… nada. As pessoas estavam mais interessadas no vinho, na feira e na conversa fiada.
Desanimado, Santo António decidiu sair da aldeia. No caminho, passou por um campo onde um homem tentava, sem sucesso, pôr o seu burro a andar. O bicho empacara de tal maneira que nem pancadas nem promessas de cenoura o faziam mexer.
O Santo aproximou-se e perguntou: – Posso tentar? O lavrador, cansado e meio a rir-se, respondeu:
– Se o senhor conseguir pôr esta mula a andar, dou-lhe o melhor pão que tenho lá em casa!
Santo António chegou-se ao ouvido do burro, afagou-lhe o pescoço e murmurou umas palavras que ninguém ouviu. Para espanto de todos, o burro levantou as orelhas, endireitou-se… e começou a caminhar calmamente como se nada fosse.
O povo, que tinha assistido à cena, ficou boquiaberto. E o lavrador, cumprindo a promessa, trouxe-lhe o pão.
Santo António agradeceu com um sorriso e disse:
– Às vezes, até os burros são mais sensíveis à palavra de Deus do que certas pessoas…
E dizem que, desde então, naquela aldeia, até os mais teimosos começaram a ir à missa.”
Num tempo cada vez mais perigoso, como é o nosso, em que a humanidade persiste em negligenciar a proteção da terra e das suas criaturas, faz bem lembrar e meditar nas palavras do Santo e, sobretudo, agir em conformidade com elas. Será essa, creio, a melhor forma de o homenagear.
Um bom dia de Santo António para todos!