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As “escolhas” do povo

 

 

 

Apesar de tudo quanto já foi dito e escrito sobre os resultados eleitorais, decidi referir-me a eles. Começando pelos inúmeros comentários, análises e opiniões debitados, dos quais retirei a triste conclusão de que, se o país pretendia sair da encruzilhada governativa em que foi metido devido à extemporânea queda do Governo da AD, novas dificuldades se enxergam no horizonte. 

É que a vitória da AD - PSD/CDS, com uma tímida maioria maiorzinha, caso o recém indigitado Primeiro-ministro deixe de fora das conversas o Chega e a IL (não sabendo a posição do ilhéu, JPP), arrisca-se à corda-bamba. Dado ficar, apenas, dependente das ideias do próximo líder do Partido Socialista, cuja família política anda de orgulho ferido pela derrota sofrida. Não se sabendo a opção que irá tomar em relação a um hipotético apoio parlamentar ao eterno parceiro do centrão.

Não menos contundidos andam os minorcas do BE, CDU e PAN, que se viram ultrapassados pelo Livre. Embora já todos pensem numa “frente comum de esquerda” que vise o desgaste do próximo executivo. Uma vez estar posta em causa a sua agenda de “wokismo fraturante”, que têm vindo a impor ao Parlamento, face ao país ter virado à direita. Temendo que esta possa vir a relativizar o seu estafado chauvinismo abrilista de donos da democracia. 

A destilar algum fel encontra-se a maioria dos pivôs e acólitos das televisões, bem como muitos dos escribas da imprensa escrita nacional. Eles que gastaram imenso tempo de antena e rios de tinta a argumentar filosofias de maldizer sobre a direita e seus malefícios, acabam agora reconhecidos pelos eleitores com merecida recompensa. 

Ei-la, pois, de tanto malharem nos 50 deputados do Chega e no seu líder, a quem chamam de mentiroso, aldrabão, etc., são agora 60 e a 2.ª maior força política na Assembleia da República. Merecedores são, também, todos quantos se empenharam a fundo no apelo ao voto dos abstencionistas e que, perante os resultados saídos das urnas, se sentem desapontados. 

É de lembrar o Artigo 9.º e 51.º da Constituição portuguesa que concede o direito de cidadania participativa dos cidadãos na vida política do país. Só que caso estes optem por fundar um partido fora das linhas programáticas do “status-quo” vigente, logo cresce a onda de rejeição. É que, confesso, custa-me a perceber como é que a democracia abra espaço a que, face às “escolhas” do povo soberano, este não só acabe por ser desrespeitado, como zurzido com os mais aviltantes epítetos de ignorante, analfabeto, bronco, etc.

Depois, há pessoal que só concebe ser votação democrática, aquela que lhe é de cariz favorável. Se não, logo temos o caldo entornado. Rebusca frases na vetusta literatura com o fim de estabelecer o medo ao perigo que os resultados do escrutínio ditaram. Teorias, essas, que dão para tudo aquilo a que se quer dar ênfase. 

As reações são de tal forma que mesmo sem o próximo Governo ter tomado posse, o camarada-mor do Partido Comunista veio afiançar lançar-lhe uma moção de rejeição. Essa verdadeira relíquia do sovietismo de má memória que por aqui anda, há décadas, a influenciar a populaça. Fizesse-o ele nos países da mesma pancada ideológica e logo veria com quantos paus se faz uma canoa.

Ele que faz parte de um leque de líderes partidários que reclamam o progresso no país, mas acham que tal deve continuar a ser feito com políticas e métodos do tempo da foice e do martelo. Uns autênticos empata reformas e mudanças, mesmo sabendo que o operariado rural e industrial mudou. De tal ordem que os próprios jovens passaram a desconfiar da mamadeira açucarada com que tentam adoçar-lhes a boca, ou seja, do pouco trabalho por muito dinheiro. 

Sem dúvida, Portugal precisa de quatro anos de estabilidade e reformas como o exige a conjuntura nacional e internacional. Só que ao ouvir bocas como as de: – “vocês ainda não viram nada”; e “rever a Constituição é como encher um copo com veneno”, adivinha-se novo sarilho no país, dentro de momentos.

 

Narciso Mendes

Narciso Mendes

2 junho 2025