Foi a 20 de maio de 325 – fez há pouco 1700 anos – que começou o Concílio de Niceia1, convocado pelo imperador Constantino, que a ele presidiu e o organizou nos moldes do senado romano, mas não votou oficialmente as questões de fé. É bem provável que a realização deste Concílio tenha sido fruto da recomendação de um sínodo liderado por Ósio, bispo de Córdova, no Tempo Pascal desse mesmo ano.
A crescente divisão teológica tendia a dividir e fragilizar o Império. Desejando unificá-lo, Constantino convocou os cerca de 1800 bispos das diferentes regiões, em busca da unidade teológica e com o intento último de fomentar a unidade política. Compareceram cerca de 3002, provenientes de todas as partes do Império. Com todas as despesas pagas (viagens, alojamento e alimentação), cada um tinha permissão para levar consigo dois presbíteros e três diáconos, de forma que o número total de participantes teria ascendido a cerca de 1800 pessoas.
O Papa da época, Silvestre I, que já havia sido informado da condenação de Ário, no Sínodo de Alexandria (320-321), não compareceu no Concílio. Fez-se representar pelo bispo de Córdova e pelos presbíteros Vito e Vicente. Talvez seja por isso que as suas assinaturas estão sempre em primeiro lugar. Alguns defendem que Ósio terá presidido ao Concílio e às suas deliberações, na condição de delegado papal, mas tal não é historicamente seguro.
O Concílio tratou, antes de mais, da controvérsia ariana. Ário, presbítero de Alexandria, ao ensinar que Jesus Cristo era uma criatura de Deus Pai, inferior a Ele, negava a plena divindade do Filho. O Concílio condenou o arianismo como heresia e afirmou que o Filho é consubstancial (da mesma substância) ao Pai, isto é, plenamente divino. Foi neste contexto que se elaborou o “Credo de Niceia”, afirmando a divindade de Cristo e a sua unidade com o Pai, com estas palavras: “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai”.
Para além do arianismo, o Concílio condenou também o cisma meleciano3, definiu a data da Páscoa e estabeleceu 20 cânones sobre a organização e a disciplina da Igreja, com regras sobre o clero, a jurisdição episcopal e as práticas litúrgicas.
Quanto à data da Páscoa, estabeleceu que não deveria continuar a ser celebrada de acordo com o calendário judaico, mas sim no domingo após a primeira lua cheia da primavera do hemisfério norte. Assim se adotou um calendário próprio e se deu um notável contributo para a unificação da data entre as Igrejas cristãs.
Nos 20 cânones sobre a organização e a disciplina, são tratados temas como a estrutura organizacional da Igreja; os padrões de dignidade e adequação de comportamentos para o clero; a reconciliação dos lapsi4, com o estabelecimento de normas para o arrependimento e a penitência pública; a readmissão à Igreja de hereges e cismáticos; a prática litúrgica, incluindo questões sobre o lugar dos diáconos e a prática da oração.
Foi tão importante o Concílio de Niceia que, na bula de proclamação do Jubileu Ordinário de 2025, o Papa Francisco a ele se refere como “um marco milenar na história da Igreja”5. E, logo a seguir, no mesmo número, afirma que “o aniversário da sua realização convida os cristãos a unirem-se no louvor e agradecimento à Santíssima Trindade e, em particular, a Jesus Cristo, o Filho de Deus, ‘consubstancial ao Pai’, que nos revelou este mistério de amor”.
O Concílio de Niceia assume um papel de grande relevo na definição da teologia e da vida eclesial, nos primórdios do Cristianismo, assim como em toda a história da Igreja. A sua importância na atualidade manifesta-se ainda no facto de a Comissão Teológica Internacional ter publicado um importante e denso documento sobre o assunto, intitulado Jesus Cristo, Filho de Deus, Salvador6, cuja leitura vivamente recomendo.
1 Niceia corresponde à atual İznik, na Turquia.
2 Eusébio de Cesareia fala de mais de 250 e Eustácio de Antioquia de aproximadamente 270. Diversos outros, contudo, apontam para 318, número que é preservado na liturgia da Igreja Ortodoxa.
3 Durante a perseguição de Diocleciano (302-305) e de Décio (306), vários bispos e religiosos abandonaram as suas sedes, igrejas, paróquias, em busca de refúgio. Um deles foi o patriarca Pedro I, de Alexandria. Aproveitando-se da sede vaga, Melécio deixou Licópolis e apoderou-se do Patriarcado de Alexandria. Quando as perseguições acabaram, Pedro retornou à sua diocese e, em 306, convocou o Concílio de Alexandria. Depôs Melécio, sob a acusação de apropriar-se do episcopado de Alexandria e de ser um lapsus (apóstata), dado que abjurara a fé durante as perseguições de Diocleciano. Numa nova perseguição aos cristãos, Pedro I foi martirizado e Melécio foi desterrado. Quando a perseguição abrandou, Melécio regressou do exílio (311) e formou uma hierarquia cismática. Juntou-se a Ário e opuseram-se a Atanásio de Alexandria. Foi o Concílio de Niceia que pôs fim às controvérsias sobre os ensinamentos de Melécio, condenando-o juntamente com Ário.
4 O termo significa “caídos” e designa os apóstatas ou cristãos que renegaram a sua fé durante as perseguições do Império Romano. Além disso, chega a englobar também os que, tendo-se relaxado na vivência da fé, decidem depois voltar para ela.
5 Papa Francisco, Spes non confundit, nº 17.
6 Os títulos dos seus capítulos ajudarão certamente a despertar o interesse por este documento:
- O símbolo para a salvação: doxologia e teologia do dogma de Niceia;
- O símbolo de Niceia na vida dos crentes: “Acreditamos como batizados e rezamos como acreditamos”;
- Niceia como evento teológico e como evento eclesial;
- Manter a fé acessível a todo o Povo de Deus.