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Do feed às urnas: política portuguesa em rede

Há já algum tempo que a comunicação eleitoral não se esgota nos palanques, arruadas, manchetes ou debates. Mede-se também em cliques, seguidores, partilhas e reações. Se líderes como Bolsonaro e Trump recorrem às redes sociais para projetar a cartilha da extrema-direita, figuras de centro-esquerda, como Sanna Marin (Finlândia) ou Gabriel Boric (Chile), conquistaram legitimidade digital por meio de discursos progressistas. Mas que valor real têm, afinal, tais métricas na reconfiguração da paisagem política? A campanha para as legislativas de 18 de maio deixou pistas que importa ler com distanciamento crítico. Dinis Lapyuk e João Dias, meus alunos de Comunicação Política, monitorizaram, entre 9 de março e 9 de maio, as contas oficiais dos principais partidos e líderes nas redes X, Instagram, TikTok e Facebook. É a partir de tais indicadores que se esboça esta breve reflexão sobre presença digital e desempenho político.

Os resultados revelam alguns contrastes e uma hierarquia de visibilidade. O Chega lidera com um total de 555 mil seguidores nas quatro plataformas, seguido pela Iniciativa Liberal (348 mil), PSD (294 mil), PS (225 mil), PAN (220 mil), Bloco de Esquerda (180 mil), Livre (143 mil) e CDS-PP (96 mil). No que toca aos líderes, André Ventura destaca-se largamente, com 1,57 milhões de seguidores – o triplo do partido – confirmando a sua centralidade na comunicação da direita radical. A larga distância seguem-se Mariana Mortágua (BE, 342 mil), Rui Tavares (Livre, 172 mil), Luís Montenegro (PSD, 145 mil), Pedro Nuno Santos (PS, 94 mil), Nuno Melo (CDS, 60 mil) e Rui Rocha (IL, 9 mil). Esta distribuição revela uma personalização acentuada em figuras como Ventura, Mortágua ou Tavares, cujas contas eclipsam as estruturas partidárias, ao passo que noutros casos prevalece a marca coletiva. A paisagem digital é moldada por assimetrias.

Entre as redes sociais, o X e o Instagram destacam-se como os principais canais, sobretudo junto de públicos mais jovens e visualmente orientados. O Chega é o caso mais paradigmático: a conta do X acumula 245 mil seguidores e a de Instagram 215 mil. Também André Ventura, com 507 mil no X, 436 mil no Instagram, 416 mil no TikTok e 209 mil no Facebook, domina amplamente a presença digital entre os líderes, não só pela quantidade, mas pela consistência transversal. A Iniciativa Liberal investe sobretudo no X (129 mil), com números relevantes no Instagram (115 mil), reforçando um perfil jovem e urbano. Já o PS tem uma distribuição mais equilibrada (112 mil no X, 64 mil no Instagram e 112 mil no Facebook), embora Pedro Nuno Santos nunca ultrapasse os 48 mil numa só rede. Mariana Mortágua (BE) revela uma presença estável, com valores entre 75 mil e 95 mil nas principais plataformas. Rui Tavares (Livre), com 110 mil no X, afirma-se como um caso de personalização em ascensão.

A comunicação política joga-se cada vez mais nas redes sociais, sobretudo no X e Instagram enquanto espaços centrais de visibilidade e disputa simbólica. Ainda limitada, a presença no TikTok tende a crescer em campanhas mais agressivas e orientadas para os mais jovens, como é o caso do Chega. A distribuição dos seguidores sugere uma tendência de personalização, sendo alguns líderes figuras mediadoras da ação política no espaço digital. Já partidos como o PS mantêm uma presença mais institucional, sobretudo no Facebook, associada a faixas etárias mais envelhecidas, em sintonia com o seu público tradicional. A correlação entre presença digital e resultado eleitoral não é linear. Há indícios de que, entre os mais jovens, a performance nas redes tem um peso crescente na construção da identificação política. Em contraste, partidos com fraca presença digital como o CDS ou BE têm mais dificuldade em mobilizar fora dos canais clássicos, perdendo espaço na disputa pela atenção. A paisagem digital não substitui a política, mas tem vindo a redefinir as suas formas de circulação, visibilidade e influência.

Mas é preciso olhar para além dos números. Uma investigação da empresa israelita Cyabra, especializada na análise de redes sociais, revela que 58% dos perfis que interagiram com a conta oficial do Chega no X eram falsos, tendo sido criados para amplificar artificialmente o apoio ao partido e ao líder. O estudo, encomendado pela CNN Portugal (maio 2025), identificou ainda que 49% dos perfis que comentaram as páginas de PS, PSD, Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro também não eram autênticos, sendo usados para os atacar e reforçar a mensagem do Chega. As contas falsas partilham conteúdos coordenados, com mensagens sobre imigração, corrupção e crítica agressiva aos partidos tradicionais, distorcendo o debate público em prol da direita radical. Entre o algoritmo e a urna, continua a faltar o essencial: confiança.

Manuel Antunes da Cunha

Manuel Antunes da Cunha

24 maio 2025