twitter

Simplesmente Franciscvs

Já muitos falaram, mas não podia deixar de falar. Algo forte impele, não há como não. Tudo o que se diga sobre o Papa Francisco será de menos, redutor da sua enormidade espiritual que nos tocou, nos toca e não deixará, por muito dos tempos, de tocar. Nunca pecaremos por excesso na descrição daquele que se vestia de branco e irradiava luz dos seus olhos, do seu sorriso que não regateava, dos seus abraços abençoados e solidários e das suas palavras que comoviam. Que assim vestiu uma pele de dignidade para cuidar, amar, pacificar. Pena muitos que o aplaudiram, líderes que batem no peito ou se apressaram a marcar presença nas suas exéquias, não trilhem o mesmo caminho que ele procurou abrir, que desbravou com um dom que foi agraciado e um sentido de humor que é uma lição de vida.

Este Papa, sem perder a dignidade santificada do (en)cargo que algo maior lhe incumbiu, de quem crê, o Espírito Santo, amou cada pessoa, acarinhou as almas, o seu rebanho e o dos outros, abriu a Igreja como casa comum de todos, indiferente a credos, raças ou condição, olhando, apenas, ao ser. Deu carinho e foi acarinhado numa reciprocidade luminosa e autêntica. Agiu de forma simples, pregou com misericórdia, justiça, equidade incondicional. Acariciou a cabeça das crianças com esperança no seu futuro e fez do seu poder a ternura do acolhimento, fez das palavras simultaneamente acutilantes e doces um despertador do recomeço, um derrubador de muros, um construtor de pontes. Estendeu-nos as mãos calejadas de bondade. Agarremos enquanto podemos a centelha de luz que nos tocou nos corações.

O Papa Francisco recusou o fausto, viveu a simplicidade de uma verdadeira irmandade, foi médico de almas.

O impacto da sua partida, mas sobretudo da celebração da sua vida, é inigualável e insuperável. Foi um verdadeiro pescador de Homens que se impôs naturalmente no respeito pela diferença e respeitado nessa distinção. As suas preces, a sua voz, merece profunda reflexão não só por ser Papa, mas também por ser Papa. 

A comoção generalizada tem a ver com o encontro permanente com a comunidade e um sentimento de orfandade da luz que emanava. Foi, e é, um guia espiritual que marcou o presente e deixa um legado, não progressista como muitos invocam, antes humanista, no que deve ser entendido como um precursor dos valores que a humanidade deve reclamar e assentar num mundo que progride tão rapidamente na tecnologia das máquinas, e tão lentamente nos princípios do bem. Francisco encheu o conceito do que seja o humanismo, o das palavras com ação e não do mero vazio proclamatório. Deu sentido ao dito de Padre António Vieira no Sermão da Sexagésima: “palavras sem obras são tiro sem balas, atroam, mas não ferem.

A luz que se foi apagando no corpo do nosso Papa, resplandece no espírito.

Ore-se, pois, para que as bênçãos do Pai baixem sobre a nova escolha que se avizinha e que, em diante a memória de Francisco, não deixe de ecoar nos corações e não esmoreça a chama que propagou, nos ensinou e inspirou, que não se perca o olhar daquele, o último aceno e o último ato da simplicidade e elegância da pedra tumular sob uma rosa branca, que tem o condão de continuar a falar e a ser simplesmente Francisvs!

Este é o meu humilde – certamente comungado por muitos e muitos – vergar perante a força do silêncio do adeus que ficou.

António Lima Martins

António Lima Martins

8 maio 2025