É verdade , exerço o meu direito de cidadania há 70 anos. Sempre votei, mesmo na ditadura, ainda que inutilizando o boletim de voto, ainda que soubesse que ele seria contado como válido. O medo era tanto que até receava que eles descobrissem quem riscou o boletim. O medo era tanto que até ouvíamos a rádio moscovo debaixo dos cobertores porque se dizia que a PIDE tinha um aparelho nos seus automóveis que detetava quem escutava essa rádio. Felizmente hoje, graças à democracia, pode-se optar sem medo de estas ou outras restrições. Pode-se votar antecipadamente se for o caso. E há muito por onde escolher, desde os radicalismos da esquerda ou direita ou os partidos democráticos. Não há qualquer razão para não votar e não colhe, como verdade, a ideia de que são todos iguais. A verdade é que nenhum é perfeito até porque a perfeição é fim de linha, encolhe o progresso, mas temos no nosso espectro político partidos para todos os pensamentos. Votar não é apenas um dever, é acima de tudo uma manifestação de liberdade. Esta liberdade é tão boa que experimento o alívio daquele que mal respirava e agora o faz a plenos pulmões. Votar é um ato subjetivo, isto é, pertence por inteiro ao sujeito e não é, nem deve ser, espartilhado dentro de um qualquer contexto. A ideologia, assim como qualquer credo, é um espartilho que aperta mas não segura, encolhe sem deixar expandir a liberdade do sujeito. Se votar é escolher, então por que razão eu escolho uma coisa e depois ela não governa? Porque não tem maioria parlamentar; então, a minha opção foi espoliada do meu direito de escolha por uma aritmética parlamentar que nem sequer foi referendada, a não ser que essa coligação se apresentasse ao referendo. Feita depois, não passa de uma engenharia. Passaremos a votar para nada? Não podemos roubar ao povo a escolha que fez. Não devemos dar ao parlamento o direito de esbulho da opção individual; tínhamos então um parlamentarismo a governar composto por retalhos e não por uma manta de uma só força política. Se a coligação foi referendada e votada para governar, é ela quem deve governar e à oposição compete-lhe fiscalizar, questionar, demonstrar erros ou abusos de governação, mas nunca ter o direito de tirar ao povo quem ganhou as eleições. Dir-me-ão, mas esses que agora se coligam também foram eleitos. É verdade, foram eleitos como partidos e não como coligação. Nem todos votariam de igual maneira se soubessem que o partido em quem votaram se fez amigo de outro, porque nunca seria essa a sua opção. Querem coligações, apresentem-se como tal a sofrágio . Só assim é que se fazem as eleições sem sofismas. Sofista era, na antiga Grécia, a habilidade de transformar, com palavras verdadeiras, situações falsas. Havia escolas para isso. Não seria capaz de votar num partido democrático se soubesse que faria coligação com partidos não democráticos. Alguns partidos portugueses vivem em democracia mas não são democráticos. Uma coligação pós eleições é um sofisma.