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À Luz da Escuridão

Na semana em que a Península Ibérica mergulhou subitamente na escuridão, muito mais do que a luz elétrica se apagou.

O súbito colapso da rede elétrica, atribuído a uma falha em cascata iniciada por uma sobrecarga no sistema de interligação transfronteiriço, revelou fragilidades na nossa infraestrutura e, em particular, a vulnerabilidade de um dos pilares mais críticos do Estado: os cuidados de saúde.

Segundo dados divulgados pela REN (Redes Energéticas Nacionais), o apagão afetou mais de 6 milhões de portugueses com os cortes de energia a prolongaram-se por mais de 10 horas com impactos nos serviços essenciais, incluindo os cuidados de saúde. Embora a maioria dos hospitais tenha conseguido manter operações críticas graças a geradores de emergência, a situação evidenciou vulnerabilidades nas infraestruturas de saúde, especialmente em unidades de menor dimensão e em áreas rurais.

Estes dados, por si só, seriam alarmantes. No entanto, tornam-se mais preocupantes quando confrontados com os designados indicadores de performance (“KPIs”) que sustentam a resiliência hospitalar em situações críticas.

Desde 2024, o Plano Nacional de Preparação para Emergências em Saúde Pública estipula que 100% das unidades de cuidados intensivos devem garantir energia autónoma por, no mínimo, quatro horas. Apesar das fragilidades expostas, é justo reconhecer que Portugal possui planos de contingência para emergências energéticas. O Plano de Segurança Energética Hospitalar (PSEH), criado em 2022, previa o mapeamento dos grupos geradores, ensaios mensais e protocolos de resposta rápida em articulação com a Proteção Civil. No entanto, um relatório interno do Ministério da Saúde (acesso via fontes sindicais) denuncia que 27% das unidades hospitalares ainda operam com geradores com mais de 15 anos, com falhas documentadas de manutenção.

A realidade é que a saúde portuguesa continua a viver entre a resiliência teórica e o colapso prático. O apagão não foi apenas elétrico, foi político, técnico e ético. Continuamos a aceitar que hospitais funcionem como ilhas de improviso, quando deviam ser fortalezas de prontidão.

Precisamos, pois, de desenhar um futuro à prova de apagões. Um futuro que exija mais do que resiliência, exija antecipação inteligente. Existência de micro-redes energéticas hospitalares, com produção local (solar, biomassa) e sistemas de armazenamento de energia em baterias de lítio ou hidrogénio; simulações anuais obrigatórias de falha energética, com envolvimento de todas as equipas clínicas e técnicas ou a publicação de um índice de prontidão energética hospitalar, atualizado e auditado publicamente, como parte dos indicadores de performance da Direção-Geral da Saúde são algumas sugestões potenciais que mitigariam eventuais novos percalços.

Esperamos todos que a saúde esteja disponível quando dela precisamos. Mas isso exige um ecossistema que não colapse com a primeira faísca perdida. O apagão ibérico foi uma sirene para o país: ou investimos agora numa saúde iluminada, ou continuaremos a operar às cegas, esperando que os geradores aguentem – e que a sorte também.

Mário Peixoto

Mário Peixoto

3 maio 2025