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Quanto custa habitar em Braga?

 


 

 


 

Há dez anos, um jovem casal tinha efetivas possibilidades de comprar um apartamento em Lamaçães ou Dume. Hoje, restam-lhe escassas opções: continuar em casa dos pais, se houver condições para tal; comprometer a maior parte do salário com uma renda incomportável; mudar-se para outro concelho, longe do trabalho e da vida quotidiana, ou emigrar. Volvida uma década, o montante que outrora permitia adquirir uma casa já mal cobre metade. Em março de 2015, o preço médio do metro quadrado no concelho era de 608 euros; em 2025, ultrapassa os 1 960 euros. No arrendamento, o aumento é igualmente expressivo: de 3,3 para 10,6 euros por metro quadrado. Ou seja, o custo da habitação — para compra ou arrendamento — aumentou mais de 220%. Entretanto, o salário médio nacional líquido subiu apenas 25,7% (de 828 para 1 041 euros), e o salário mínimo de 505 para 870 euros, um acréscimo de 72%.

Feitas as contas, o preço da habitação cresceu oito vezes mais do que o salário médio e triplicou face ao salário mínimo. Em 2015, com um rendimento médio, era possível comprar 1,36 m² de habitação; em 2025, esse poder de compra reduz-se a uns escassos 0,53 m². No arrendamento, o cenário é similar: um T2 de 80 m² que rondava os 264 euros mensais custa agora 848 – um valor que ultrapassa largamente o salário mínimo e absorve mais de 80% do salário médio. Braga apresenta valores de mercado semelhantes aos de cidades francesas como Perpignan (1 707 €/m²), Limoges (1 775 €/m²), Mulhouse (1 857 €/m²) ou Roanne (1 784 €/m²). A diferença está nos rendimentos: o salário médio francês ronda os 2 500 euros líquidos e o salário mínimo (SMIC) situa-se nos 1 398 euros. Ou seja, com preços comparáveis, o poder de compra é, em média, duas a três vezes superior ao dos bracarenses.

O cenário é ainda mais preocupante quando se cruza com o crescimento acelerado do turismo e do alojamento temporário. Em 2024, Braga registou um recorde de 678 mil dormidas, com um aumento de 6,3% face ao ano anterior. Embora o setor da hotelaria se mantenha predominante, o Alojamento Local foi o segmento que mais cresceu, com uma subida de 35,7%. Esse dinamismo não está isento de custos: nas freguesias centrais, muitos imóveis são desviados do mercado habitacional para uso turístico, reduzindo drasticamente a oferta para residentes permanentes. O resultado está à vista: preços inflacionados e um processo de gentrificação que expulsa bracarenses de longa data, em especial os mais jovens e as famílias com rendimentos medianos, para zonas cada vez mais periféricas.

Quem percorre as ruas de Braga sente que a cidade está diferente. Transforma-se, nem sempre escutando quem cá vive. Renova-se, reabilita-se, reinventa-se e, por vezes, também se afasta de si mesma. Na ânsia de se afirmar como destino, perde o que a tornava lugar. Quando o direito à habitação cede ao lucro, o espaço urbano converte-se em produto e os cidadãos em meros figurantes temporários. Braga começa a assemelhar-se a muitas outras cidades. Os centros ganham brilho, mas também alguma previsibilidade; as lojas repetem-se, os espaços uniformizam-se, a identidade local esvai-se lentamente. Num tempo em que se culpa a imigração pelos desequilíbrios urbanos, importa recentrar o olhar. Quem cá chega, trabalha, estuda e se integra faz parte deste lugar. O problema não está em quem procura residir entre nós, mas na incapacidade de garantir que quem cá vive – há muito ou há pouco – possa permanecer.

Quando o acesso à habitação se torna um bem raro, não se perde a cidade, mas a ideia de espaço comum. O que está em causa não é apenas o preço do metro quadrado. É a noção de urbe enquanto espaço entretecido de memórias e de horizontes de pertença. Habitar é mais do que ter um teto: é criar raízes, entrelaçar histórias e deixar rasto. É estar aberto à diversidade, sem abdicar da memória e de um projeto comum. Quando esse equilíbrio se rompe, a cidade deixa de ser comunidade para se tornar mero cenário.


 

*Professor da Universidade Católica Portuguesa – Braga

Manuel Antunes da Cunha

Manuel Antunes da Cunha

19 abril 2025