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Pilatos & C.ia

1. Um dos intervenientes no processo que condenou Jesus à morte foi Pilatos.

Nomeado por Tibério (imperador romano desde o ano 15) procurador romano para a Judeia, Idumeia e Samaria, Pôncio Pilatos governou durante dez anos, de 26 a 36 da nossa era.

Normalmente vivia em Cesareia marítima. Quando ia a Jerusalém instalava-se na fortaleza Antónia construída por Herodes o Grande na parte mais alta da cidade, junto à área do Templo.

2. Foi a Pilatos que levaram Jesus, a fim de O condenar à morte. 


 

O Procurador romano cedo conheceu a inocência do acusado. Serviu-se de diversas habilidades para o livrar da cruz. Quis alijar a responsabilidade de uma condenação remetendo-o a Herodes Antipas, ao tempo de visita a Jerusalém, atendendo a que o Réu era da Galileia e se encontrava, portanto, sob a jurisdição deste Monarca. 

Herodes Antipas, porém, não tomou o caso a sério. Escarnecendo de Jesus mandou vestir-Lhe uma túnica branca, símbolo da realeza, e devolveu-O ao Procurador. 

Este, levado pela convicção pessoal da bondade de Jesus, reforçada pelo recado que lhe enviou sua mulher, Cláudia Prócula, prevenindo-o de que se não ocupasse do caso, pois tinha sofrido muito, em sonhos, por causa daquele Homem, tomou uma solução de compromisso: aceitou a acusação contra Jesus mas mandá-lO-ia soltar, ao abrigo do tradicional indulto da Páscoa. O povo, contudo, instigado pelos líderes judaicos, não esteve de acordo. Exigiu a libertação de Barrabás, detido por furto e homicídio, e a condenação de Jesus à morte.

Tentou Pilatos jogar nova cartada. Responsabilizando Cristo pela realização de um tumulto, mandá-lO-ia açoitar para O libertar depois. Mas o povo recusou a proposta. Exigia a morte. Ameaçou o Procurador com a denúncia a César. «Se o soltas não és amigo de César, pois todo aquele que se faz rei declara-se contra César».

Receoso de perder o lugar, Pilatos cedeu. Lavou as mãos diante do povo, declarou-se inocente quanto à condenação de Jesus e entregou-O aos inimigos para que O matassem. E mataram.

A figura de Pilatos passou à história como a de um fraco de caráter. Receoso da opinião pública, mostrou-se incapaz de fazer justiça. Deixou que a voz dos interesses pessoais (o receio de perder o cargo) se sobrepusesse à defesa do direito e da inocência.


 

3. A geração dos pilatos não desapareceu. Pertencem-lhe, nos tempos de hoje, quantos preferem colocar-se à margem dos problemas que tinham obrigação de resolver. Quantos são incapazes de perder uma noite de sono em defesa do irmão. Quantos vivem oprimidos pelo que vão pensar ou dizer de si. Quantos se afirmam livres mas vivem acorrentados pela escravatura da opinião pública e pelo culto da própria imagem. Quantos não têm a coragem de arriscar na defesa da verdade. Quantos fazem os mais incríveis malabarismos para defenderem o tacho e o penacho. Quantos atraiçoam a própria consciência para agradarem ao líder que os mantém no cargo ou se submeterem à disciplina partidária. Quantos preferem o deixa correr e o porreirismo a terem de tomar medidas impopulares.


 

4. Continuam os pilatos no mundo de hoje. E encontram- se até, por infeliz ironia, no meio dos que nos dizemos cristãos. 

Arrogamo-nos a qualidade de discípulos de Cristo mas repetimos o gesto do Procurador romano sempre que evitamos tomar posição face a situações de injustiça, violências de qualquer espécie, opressões e atropelos à dignidade da pessoa humana. Importante é que nos não incomodem nem belisquem a imagem que cuidadosamente procuramos construir.

Há silêncios que me atrevo a classificar de criminosa cumplicidade e se pagam caro. Lembro o pastor alemão Martin Niemöller sobre a sua própria cumplicidade inicial com o nazismo e posterior mudança de opinião:

“Primeiro vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado – porque não era socialista.

Então, vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado – porque não era sindicalista.

Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado – porque não era judeu.

Foi então que me vieram buscar, e já não havia mais ninguém para me defender».

Silva Araújo

Silva Araújo

10 abril 2025