Quando a Quaresma está praticamente a terminar, não é despropositado perguntar se verdadeiramente a chegámos a começar.
Será que nos dispusemos, genuinamente, a «quaresmar»?
Houve, como sempre, eventos muito participados. Não faltaram multidões sobretudo em procissões e em determinadas celebrações.
Mas a fisionomia destes quase quarenta dias distinguiu-se substancialmente dos restantes dias? Conseguimos pausar, parar e (re)parar a fim de mudar?
Rompemos com as intrigas, com as suspeitas e com o destempero verbal? Estivemos atentos aos «pecados da língua»? Foi para tudo continuar igual que passamos por mais um itinerário quaresmal?
«O Céu na Terra não pode esperar» (Adília Lopes). Mas, quanto à nossa presença no caminho da Terra para o Céu, parece que não paramos de procrastinar.
Não estaremos na iminência de concluir mais uma Quaresma «desacontecida»? Que resposta demos ao imperativo da conversão?
Objetar-se-á que a conversão ocorre sobretudo por dentro. Mas o que ocorre por dentro não é para se ver por fora?
Em certa medida, a Quaresma é um tempo suspensivo. Suspendemos até o consumo de alguns alimentos. Privamo-nos de ingerir para com os mais pobres repartir.
Era costume amortecer o ruído e interromper as atividades mais festivas. Imperava o recato, predominava o recolhimento e ouvia-se até o eco do silêncio contemplativo.
Sucede que, com a crescente mercantilização da vida, também a Quaresma tende a ser «capturada» por circuitos que a apresentam sobretudo como um «cartaz» para turista ver e fotografar.
Não obstante porém o ambiente pouco favorável, ainda sobram luminosos oásis de fidelidade ao «Projeto Jesus».
O silêncio quaresmal fornece o móbil indispensável para «caminharmos juntos na esperança», como propõe o Papa Francisco na mensagem que nos dirigiu.
Pela sua moldura, a Quaresma é um tempo de preparação. Aliás, Jesus preparou-se – também durante quarenta dias – para a Sua missão (cf. Mt 4, 2). E já depois de ressuscitar – e antes de os enviar em missão (cf. Mc 16, 15) –, o Senhor instruiu os Seus discípulos igualmente ao longo de quarenta dias (cf. At 1, 1-3).
A terapia penitencial da Quaresma surgirá como anacrónica para o inclemente olhar da nossa época hedonista.
No entanto, ela é tremendamente revolucionária porque não se resigna a deixar-nos acomodados à vida que levamos.
Uma «Quaresma de eventos» é manifestamente insuficiente.
Não é suficiente encher ruas, hotéis e praças por onde perpassam instantes de silêncio arrepiante, mas fugidio.
Para «quaresmar», a chama da fé não podemos desligar. Parafraseando Ferreira Gullar, diria que «a fé é a prova de que a vida não basta».
Se não acreditamos, como haveremos de viver?