Saberão os leitores que as línguas originais da Bíblia são o hebraico, o aramaico e o grego comum (koinê). O Antigo Testamento foi escrito maioritariamente em hebraico, mas há livros mais tardios ou parte deles que foram escritos em aramaico ou em grego. O Novo Testamento foi escrito em grego. Porém, estas línguas foram deixando de ser legíveis e foi necessário fazer traduções, para que o tesouro da Palavra de Deus escrita não se tornasse hermético e reduto de alguns frequentadores privilegiados. Foi por isso que surgiram, aos poucos, as traduções antigas da Bíblia, de que hoje nos ocupamos.
O fenómeno da tradução dos textos começou na sinagoga, após o regresso do cativeiro da Babilónia (538 a. C.). Porque regressou à sua pátria a falar aramaico, o povo de Israel já não entendia bem o hebraico, língua sagrada da liturgia sinagogal. Os textos eram lidos em hebraico e os comentários feitos em aramaico, mas só pelos séculos II-I d. C. foram postos por escrito. Surgiram, então, os Targumim (plural de Targum, palavra aramaica que significa “interpretação, tradução”). Trata-se de “traduções livres, paráfrases interpretativas, que explicitavam e amplificavam oralmente o texto hebraico, especialmente nas secções narrativas” (A. Vaz, Palavra viva, Escritura poderosa, p. 227). Os mais famosos são o Targum Neophyti, escrito em aramaico popular, e o Targum Onqelos que, cobrindo a totalidade do texto do Pentateuco, apresenta-se como a versão oficial da Lei (Torá).
Por seu turno, os judeus da diáspora alexandrina sentiram a necessidade de traduzir o texto hebraico para grego e assim surgiu a versão dos Setenta. O nome advém-lhe de uma lenda contida na Carta apócrifa de Aristeias ou Pseudo-Aristeias. Refere que Ptolomeu II Filadelfo (285-247 a. C.), rei do Egito, quis ter na Biblioteca de Alexandria um exemplar da Torá de Moisés, pelo que pediu a 72 peritos (o número evoca a universalidade) vindos de Jerusalém que a traduzissem para grego. Acrescenta que a tradução foi completada em 72 dias e que as traduções condiziam no essencial. Tendo começado em finais do século III a. C., a tradução do cânone hebraico estendeu-se até finais do século II. Foram depois acrescentados os livros gregos de Tobias, Judite, Baruc, 1 Macabeus, Ben Sirá e partes de Daniel, Ester e 1 Esdras. Juntaram-se a estes alguns outros compostos diretamente em grego: Sabedoria e 2 Macabeus.
Até à descoberta dos manuscritos do Mar Morto, a versão dos Setenta era a fonte mais importante para o estudo da história do texto da Bíblia Hebraica, apresentando-se como testemunha da abertura das comunidades judaicas da diáspora à cultura helénica. Além disso, “pode considerar-se um fenómeno sem precedentes na antiguidade, de capital importância para a história da civilização ocidental” (A. Vaz, o. c., p. 211).
Quando o cristianismo chegou ao mundo romano, foi necessário traduzir os textos para latim, não a partir do hebraico, mas da versão dos Setenta. Foi assim que surgiu a Vetus Latina. Porém, a sua pobre qualidade despertou a necessidade de uma nova tradução, levada a cabo por S. Jerónimo, entre 390 e 405, a partir dos textos originais e a pedido do Papa Dâmaso. É assim que nasce a (editio) Vulgata, texto usado, durante séculos, na história da teologia, da liturgia e da espiritualidade da Igreja latina, com vasta influência na cultura ocidental, aos mais diversos níveis (artístico, linguístico e religioso). A Vulgata “foi, durante a Idade Média a principal biblioteca do Ocidente e a base da cultura” (A. Vaz, o. c., p. 233), onde se inspiraram a escultura, a pintura, a música e a literatura.
Em 1546, o Concílio de Trento declarou-a versão “autêntica” para a Igreja, declarando a sua autenticidade jurídica e fazendo dela o texto normativo para a Igreja latina. Coube aos monges beneditinos, por ordem do Papa Pio X, o trabalho de uma edição crítica da Vulgata. Uma comissão especial, instituída por Paulo VI, a 29 de novembro de 1965, fez a sua revisão, tendo surgido a Neo-Vulgata, promulgada por João Paulo II, a 25 de abril de 1979, uma edição que “pretende incorporar os achados mais seguros da exegese moderna, servindo-se da tradição manuscrita disponível e respeitando na medida do possível a língua e o texto dos tradutores antigos” (A. Vaz, o. c., p. 234).
Autor: P. João Alberto Correia