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Crise das ideologias



 



 

De muitas e variadas formas vemos que, nos nossos tempos, vai crescendo uma tendência a ‘desmarcar’ o posicionamento sobre muitas questões: crescem as ‘marcas brancas’, pululam os ‘independentes’, inventam-se tentativas de ‘não-tomar-posição’ sobre nada nem ninguém, faz-se de conta de que se é equidistante e tolerante, arranja-se maneira de passar pelos pingos da diferença sem que tal se perceba, vulgariza-se a moda de ‘estar de bem com todos’ sem destoar nunca… Serão estas as caraterísticas da crise de ideologias ou estaremos antes a confundir-nos propositadamente?

1. Numa tentativa de descrevermos esta ‘crise de ideologias’ poderemos encontrar esta narrativa. A crise de ideologias poder-se-á referir à instabilidade e ao enfraquecimento das grandes correntes ideológicas tradicionais, como o liberalismo ou o marxismo, resultando numa falta de respostas eficazes para os problemas atuais. Esta crise manifesta-se na desconfiança nas instituições democráticas, no apelo a soluções radicais como o fascismo em tempos de crise económica e na emergência de um "deserto político", onde as ideologias atuais parecem inadequadas ou incapazes de resolver problemas complexos.

2. Numa avaliação às recentes eleições autárquicas encontramos como ‘terceira força’ nos resultados, a citação dos ‘independentes’, com duas dezenas de câmaras conseguidas. Mas serão esses ‘independentes’ um sinal/causa ou uma consequência da crise de ideologias? Não serão em vez de independentes antes dissidentes? Não serão, por seu turno, agravantes dessa crise de ideologia, pois tentam misturar quase tudo e não são, de facto, nada? Quanto maior for a sua valorização não servirão ainda de provocação a uma maior crise ideológica? Não será que muitas propostas e estratégias dos ‘independentes’ podem ser colocadas entre a demagogia barata e o populismo mais simplista? O que justifica, verdadeiramente, a escolha de certos independentes para governarem algumas autarquias? Não será que, nalguns casos, foi usado (e resultou) o velho estratagema romano – ‘pão e jogos? (panem et circenses) nas últimas eleições?

3. Talvez seja de recordar um livro, saído nos alvores da revolução do 25 de abril, que apresentava os grandes ‘ismos’ ao tempo, isto é, há cinquenta anos atrás: comunismo, fascismo, capitalismo e socialismo… Talvez aqui radique a confusão de crise de ideologias, pois a ignorância sobre os fundamentos das opções partidárias poderá dar azo a aproveitamentos de habilidosos e com tendência de pensamento único, isto é, o seu. Urge, por isso, voltar às origens da nossa democracia, que, embora já tenha cinco décadas, está enferma de ideias e de ideais. Muitos daqueles que agora assomam à ribalta da função política, talvez nunca tenham lido nem estudado as várias ideologias, se bem que algumas faliram por inexequibilidade prática, ou pior, começaram a pensar como vivem, justificando-se e não a viver segundo o pensamento bem estruturado.

4. Pelo bem do nosso futuro coletivo é fundamental deixarmos de andar a inventar desculpas para que ascendam ao poder figuras de duvidosa qualidade em estarem – clara, humilde e distintamente – ao serviço dos outros. De facto, é este o fator mais importante para apreciarmos quem agora aparecer – dado que já pode ter estado noutras ocasiões em funções partidárias – como salvador de projetos não tão claros como seria desejável. Ora, explicando o meu ceticismo sobre a solução para esta crise das ideologias, considero que poderá ser difícil de criar novas sinergias a quem rompeu ou hipotecou linhas de diálogo sobre os assuntos que interessam a todos e não só às bolhas e/ou lóbis subterrâneos…

5. É preciso que estejamos vigilantes sobre algumas das jogadas de bastidores – assim se podem explicar certas votações-surpresa nos independentes recentemente – para que não nos apunhalem pelas costas, quando nos ofereciam benesses e prebendas… de forma velada ou insinuante. Noções éticas mínimas precisam de ser aprofundadas, sem nos deixarmos manipular pela tendência republicana mais capciosa.

Em tudo isto será que o cristianismo – é um ‘ismo’ mais do que ideológico – já refletiu sobre as sementes que lançou? Os frutos condizem com os valores desejados?

António Sílvio Couto

António Sílvio Couto

20 outubro 2025