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Quando o comércio é transformado em arma

As guerras comerciais deixaram há muito de ser um tema distante ou meramente técnico. São hoje um instrumento de poder e influência global, e a atual disputa entre os Estados Unidos e a China é talvez o exemplo mais visível de como a economia tornou-se um terreno de confronto político. O problema é que, quando as duas maiores potências do mundo travam uma guerra de tarifas e sanções, quem acaba por sofrer as consequências são muitas vezes os outros. E a Europa, e Portugal, tem sentido isso na pele.

Nos últimos anos, assistimos a uma escalada de medidas protecionistas. As tarifas impostas pelos Estados Unidos durante a administração de Donald Trump, muitas das quais continuam a influenciar o comércio internacional, criaram um ambiente de instabilidade e imprevisibilidade. Ao mesmo tempo, a China, sob a liderança de Xi Jinping, tem consolidado uma política de controlo apertado sobre as exportações, de apoio estatal massivo e contínuo às suas indústrias e expansão no domínio sobre matérias-primas estratégicas. Entre o protecionismo norte-americano e o autoritarismo comercial chinês, a Europa vê-se encurralada num jogo que não escolheu, mas do qual depende fortemente.

A indústria europeia é a grande vítima colateral desta rivalidade. O setor automóvel, o têxtil, a metalomecânica e outros ramos industriais que dão emprego a milhões de europeus, e a centenas de milhares de portugueses, enfrentam hoje uma tempestade perfeita: custos de energia e matérias-primas elevados, concorrência desleal de produtos subsidiados e mercados externos cada vez mais incertos.

A guerra de tarifas entre Washington e Pequim fez com que a China redirecionasse parte da sua produção excedentária para a Europa, intensificando a concorrência no setor têxtil e metalomecânico. No setor automóvel, a entrada massiva de veículos elétricos chineses com preços altamente competitivos está a criar fortes pressões sobre os produtores europeus e sobre empresas portuguesas integradas nessas cadeias de valor. Até a indústria de componentes sente a incerteza resultante de um comércio internacional cada vez mais politizado.

A nossa economia está profundamente ligada à europeia, e aquilo que afeta a indústria alemã, espanhola, francesa ou italiana, mais cedo ou mais tarde, repercute-se em Portugal. Quando as cadeias de produção mudam ou reduzem investimentos por causa da instabilidade global, perdem-se empregos, oportunidades e competitividade por toda a Europa.

A União Europeia deve afirmar-se como um bloco económico autónomo e estratégico, capaz de defender os seus interesses sem cair na tentação de copiar os erros dos outros. Não se trata de levantar muros ou fechar fronteiras, mas de reduzir vulnerabilidades. Devemos investir na produção europeia de matérias-primas críticas, na reindustrialização inteligente e na modernização tecnológica que garanta resiliência e valor acrescentado.

A Europa não pode continuar a ser apenas o palco onde outros medem forças. Sem força económica, não há voz política. É fundamental usar os instrumentos de defesa comercial quando existam indícios de dumping ou de práticas desleais, e negociar de forma firme com parceiros internacionais para garantir reciprocidade. Transformar o “desrisking” numa agenda concreta de competitividade e autonomia responsável é a condição para protegermos emprego e valor acrescentado.


 

Ao mesmo tempo, devemos olhar para dentro e apoiar as nossas empresas, sobretudo as pequenas e médias, a inovar, digitalizar e diversificar mercados. No caso de Portugal, isso significa apostar em setores com tradição e potencial, como o têxtil, a metalomecânica e a mobilidade elétrica, mas também na formação e na qualificação das pessoas que lhes dão vida.


 

A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China é, em última análise, um sintoma de um mundo em mudança. Entre o protecionismo de Trump e o controlo autoritário de Xi, a União Europeia deve escolher um caminho próprio, baseado na abertura, mas também na firmeza e na defesa dos seus valores.


 

Se a Europa quiser continuar a ser um espaço de prosperidade industrial e social, tem de aprender a jogar com os grandes e a fazê-lo em pé de igualdade.

Paulo Cunha

Paulo Cunha

13 novembro 2025