1. As pessoas e as coisas ou as coisas e as pessoas?
Segundo o relato bíblico (Génesis 1) Deus criou primeiro as coisas. Mas fê-lo a pensar no ser humano. Construiu um jardim para que, nele, o ser humano se sentisse feliz.
2. As pessoas devem ocupar o primeiro lugar. Sempre. É para as pessoas que as coisas existem. Para se servirem delas e não para as servirem.
Às vezes há uma exagerada preocupação com as coisas, colocando as pessoas num local secundário.
Isto de fazer uma construção muito bonita mas onde as pessoas se não sentem bem… Que adianta, na família, ter os filhos rodeados de coisas se os pais estão ausentes? Se, para lhes darem coisas, não têm tempo para os ouvir nem para lhes fazer companhia?
A exagerada preocupação com as coisas pode fazer com que se coloque o ter acima do ser.
3. Ouvi um dia ao responsável por uma instituição: se não vir obras o povo não dá dinheiro. Com certa malícia, de que me não penitencio, concluí: o importante é que o povo dê dinheiro. Servi-lo é secundário.
Há pessoas acometidas pela epidemia da construtivite. Fazem-se obras de encher o olho mas de que o povo pagante pouco ou nada beneficia, mas enriquecem o currículo de quem as promove.
Obras mal programadas, ao ponto de se destruir hoje o que ontem se construiu. De se gastar com constantes alterações ao precipitado projeto inicial. Obras perfeitamente dispensáveis se se aproveitasse bem o que já existia. Obras usadas como objeto de propaganda ou de promoção pessoal.
4. Quem dirige uma comunidade tem o dever de se preocupar com o bem dos seus membros, a começar pelos mais frágeis. O cuidado da comunidade exige que esta seja dotada das coisas necessárias para que os seus membros se sintam bem. Uma coisa é comprar e outra, comprar o que faz falta, atendendo ao binómio qualidade/preço. Tendo em conta o interesse das pessoas envolvidas pela comunidade e não os gostos de quem a dirige ou o interesse de quem fornece os bens.
5. Além das compras, quem dirige deverá fazer um plano de obras a executar atendendo ao bem da comunidade e aos meios disponíveis. Um plano onde o secundário se não sobreponha ao essencial, e o supérfluo não ocupe o lugar do necessário. Um plano a submeter à apreciação e aprovação dos membros da comunidade.
6. Pode haver necessidade de, por falta de fundos próprios, solicitar o contributo dos membros da comunidade.
Mas que estes saibam porque contribuem, para que contribuem, que vantagens advêm para a comunidade.
Se quem dirige decide e atua por sua conta e risco, ou estribado apenas no parecer de um grupo restrito de amigos, com que lógica vai solicitar a comparticipação da comunidade inteira?
Quem dirige deve ter em conta que a comunidade não carece apenas de obras materiais. Homo non est lapis (um homem não é de pau), como se diz que um celebre estudante escrevia na relação dos gastos que apresentava ao pai.
Mais importante do que levantar paredes é formar pessoas e dar às pessoas boas condições de vida.
7. Volto à pergunta inicial: as pessoas e as coisas ou as coisas e as pessoas?
As coisas são para as pessoas e não as pessoas para as coisas. O dinheiro é para o homem e não o homem para o dinheiro.
O cuidado com as coisas deve ter em vista o bem das pessoas. Sacrificar o bom ambiente da família para fazer da casa um espaço recheado de obras de arte de que os membros da família não podem usar, em que mal podem tocar e cuja aquisição foi feita à custa do sacrifício dos membros da família para quem não houve tempo, considero isso um erro. Mas aceito que nem todos pensem assim.