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Santificar o trabalho

Com frequência, cada um de nós e também muitos dos nossos conhecidos, ao abordar o tema da sua profissão, do seu trabalho quotidiano, manifesta uma certa atitude de desencanto, e também de uma complexa melancolia pelo que tem obrigação de fazer para conseguir os meios necessários para viver.


 

O trabalho é uma realidade que tem em Deus a sua origem. Com isto não queremos dizer que a omnipotência divina “obrigue” Deus a trabalhar, como nós, suas criaturas, para o seu próprio sustento. De maneira alguma: Ele é um ser perfeito em tudo, pelo que não necessita de conquistar, como costuma dizer-se, “o pão de cada dia”. Deus é eterno e a sua eternidade implica a absoluta perfeição do seu ser, porque não desaparecerá nunca, nem nunca conheceu uma origem, a partir da qual passou a existir, nem, muito menos, qualquer aperfeiçoamento da sua entidade. 


 

Ao criar o homem, dotou-o de capacidade para conseguir viver de acordo com a natureza que lhe foi conferida por Ele, pondo à sua disposição toda a realidade que o pode sustentar. Esta realidade, oferta divina, dá-nos a possibilidade de recolher da natureza que Deus nos oferece os meios para conseguirmos sustentar-nos e vivermos com dignidade, isto é, consoante as possibilidades que nos foram facultadas pelo nosso criador. No entanto, se é certo que a maioria do tempo que vive neste mundo o passa a trabalhar, esta realidade torna-o capaz de verificar que a sua laboriosidade é um bem que não deve maltratar, porque é ela que sustenta, no seu dia a dia, tudo aquilo que ele necessita para poder manter-se com dignidade: sustentar-se a si mesmo como ser humano e a todos aqueles que de si dependem. Pensamos aqui, por exemplo, num pai ou numa mãe de família com uma prole a encaminhar para a maturidade. 


 

Todas estas considerações nos levam a pensar que o trabalho humano – desde que seja honesto e viável – deve ser uma fonte de encontro constante do homem com os seu criador, porque, ao realizá-lo, está a desenvolver capacidades que Deus lhe proporcionou e também a cumprir algo que Ele lhe pôs à disposição para o seu sustento e para a boa realização da sua própria existência. Decerto que, por vezes, é duro e difícil. Mas isto não o pode levar a pensar que o que enfrenta seja alguma realidade impossível de alcançar. Deus é perfeito na sua justiça – mais, é infinitamente misericordioso! –, pelo que nunca exige nada ao ser humano que ele seja incapaz de realizar e lhe perdoa as imperfeições com extrema liberalidade: até setenta vezes sete, como nos diz o Evangelho..


 

Outro aspecto a ter em conta no mundo laboral diz respeito à honestidade com que deve executar as suas tarefas e à qualidade moral dos fins e dos meios com que elas são executadas. Talvez dando um exemplo chamativo, simplifiquemos o que acabamos de recordar: O mais exímio dos carteiristas deste mundo nunca se santifica, isto é, nunca realiza uma tarefa que possa ser abençoada e bem aceite por Deus.


 

Não esqueçamos ainda que a ocupação laboral não pode ser tão absorvente, que faça esquecer quem trabalha das outras obrigações que tem de viver. Isto é, perante Deus, um “excelente” profissional que se esqueça – se essa é a sua condição – do dever de cuidar das suas obrigações familiares de pai ou de marido, não tem a boa aceitação divina. Pelo contrário, Deus não pretende que o homem seja uma espécie de máquina de trabalho, mas que viva em plenitude as suas obrigações laborais sem pôr de parte os outros deveres na sua vida. Mais: o principal dever de um ser humano, sobretudo se tem a graça de ser cristão – é ter presente a sua condição de filho de Deus, que surge na existência – certamente com a colaboração de seus pais –, para, um dia, quando para isso for chamado, entrar na realidade verdadeiramente feliz, que é o Reino dos Céus e participe para sempre, dum modo integral, na própria felicidade divina, que é perfeita, absoluta e eterna como o próprio Deus. Ou seja: o trabalho, bem vivido, é uma fonte santificável. Por isso, deve realizar-se com a perfeição que ele exige. E santificante, ou seja, capaz de contribuir para dar ao homem, de forma generosa, a felicidade que Deus quis para ele ao criá-lo.

P. Rui Rosas da Silva

P. Rui Rosas da Silva

26 agosto 2025