O evangelho da próxima sexta-feira (IV semana da Quaresma) dá-nos conta de uma discussão acerca da identidade de Jesus, depois de Ele ter ensinado no Templo (Jo 7, 10.25-30). Começa, contudo, por enquadrar o acontecimento, dizendo que “estava próxima a festa judaica das Tendas” (Jo 7, 2)1. Trata-se de uma festa que se celebra no dia 15 do mês de Tisri2 e dura sete dias (cfr. Dt 16, 13)3. Juntamente com o Yom kippur (Dia da expiação) e o Rosh hashanah (Ano novo), é a terceira das festas de outono. Começou por ser uma festa agrária e, por isso, é também designada “Festa das Colheitas” (Ex 23, 16).
Juntamente com a Pessach (Páscoa) e a Shavu’ot (Semanas ou Primícias), é uma das maiores festas de Israel, onde o povo peregrina para o Templo de Jerusalém (cfr. Ex 23, 14-19; Lv 23; Dt 16, 16). Ainda hoje isso acontece, reunindo-se uma enorme multidão junto ao Muro das Lamentações para receber a “Bênção dos Sacerdotes” (Birkat hakohanim)4.
A festa lembra os 40 anos de caminhada dos hebreus pelo deserto, na segunda metade do séc. XIII a.C., após a saída do Egito (cfr. Lv 23, 42). O povo viveu em pequenas tendas, frágeis e temporárias. Durante a festa, para fazer memória deste período, os judeus comem e, nalguns casos, dormem numa tenda de apenas três paredes. Estão isentos desta prescrição as mulheres, os doentes e os escravos.
Erguida ao ar livre, a tenda é coberta com ramos de árvores diversas, sem tapar de todo o céu: “Ide à montanha e trazei ramos de oliveira e de zambujeiro, ramos de murta, ramos de palmeira e de árvores frondosas, para fazer cabanas, como está prescrito” (Ne 8, 15-16; cfr. Lv 23, 40). Da vivência desta festa, salta à vista “a conceção do povo que é itinerante e que na celebração das tendas, melhor que em qualquer outra época do calendário litúrgico, vive e sente que a terra é dom de Deus e que a sua condição é a de peregrino e homo viator”5.
Era costume também, por esta altura, fazer a oferenda da água, uma cerimónia que precedia a época das chuvas e em que se pedia a Deus esse elemento vital6. É por isso que, no último dia da festa7, Jesus afirmou: “Se alguém tem sede, venha a mim; e quem crê em mim que sacie a sua sede! Como diz a Escritura: hão de correr do seu coração rios de água viva” (Jo 7, 37-38). Mais tarde, na sinagoga, era neste dia que se completava o calendário cíclico das leituras da Torah, já que, no sábado seguinte à festa, chamado Shabat bereshit (primeiro sábado), se inaugurava um novo ciclo litúrgico, com a leitura do livro do Génesis.
Com o profeta Zacarias (segunda metade do séc. VI a. C.), a festa assumiu uma forte coloração messiânica: “Os que restarem de todas as nações, que tiverem marchado contra Jerusalém, irão todos os anos adorar o Rei, o Senhor do universo, e celebrar a festa das Tendas” (14, 16). Talvez por isso Flávio Josefo se refira a ela como a mais santa de todas8.
Ainda hoje, nesta semana festiva, estacionamentos, terraços, parques e espaços públicos de todo o mundo se enchem de tendas. Manda a tradição que se convidem os familiares e amigos para nelas tomar uma refeição. Tornou-se costume alguns fiéis recitarem a oração dos Ushpizim (visitantes), que simboliza o acolhimento dado, na tenda (Sucah), aos sete pastores de Israel: Abraão, Isaac, Jacob, Moisés, Aarão, José e David. Crê-se que, a cada noite, um convidado diferente é o primeiro a entrar na tenda, seguido dos outros seis.
Em Israel, não se trabalha nem no primeiro nem no último dia. Os dias intermédios são de meia festa, apesar de se poder levar uma vida normal. Na atualidade, são muitos os que fazem uma semana de férias, por esta altura, e alguns até aproveitam para fazer turismo. As escolas estão encerradas e muitos estabelecimentos comerciais fecham portas ou reduzem o seu horário de atendimento.
Professor na Faculdade de Teologia – Braga e Pároco de Prado (Santa Maria)
1 Em Israel, é conhecida como Sucot (plural da palavra hebraica Sucah, que significa “tenda”). A tenda começava a ser construída no final do Yom kippur, que se celebrava cinco dias antes (décimo dia do mês de Tisri). Foi nesta festa que o rei Salomão dedicou o Templo (cfr. 1 Rs 8).
2 Tisri é o sétimo mês do calendário judaico e o seu dia 15 corresponde ao equinócio de outono.
3 Mais tarde, foi acrescentado um oitavo dia a esta celebração (cfr. Lv 23, 36; Ne 8, 17-18).
4 O texto desta bênção é retirado de Nm 6, 23-27.
5 João Duarte Lourenço, O mundo judaico em que Jesus viveu. Cultura judaica do Novo Testamento (Lisboa: Universidade Católica Editora, 2005), 148.
6 O sumo sacerdote e o povo desciam à piscina de Siloé para recolher a água que era solenemente levada para aspergir o altar do Tempo, lembrando a prodigiosa água do êxodo e implorando de Yahwé as chuvas de outono que preparavam os campos para novas colheitas. O canto de Is 12, 3 e a leitura de Ez 47 faziam parte deste ritual, tão importante que a Mishnah, no seu tratado Sukah, diz que “quem não viveu o entusiasmo da ‘recolha da água’ jamais conheceu a alegria na sua vida”. Refira-se que este tratado é a melhor fonte de informação sobre esta festa, sobre os seus rituais e símbolos.
7 Era o dia mais festivo, o da “grande alegria”. Jo 7, 37 chama-lhe “o mais solene da festa”.
8 Cfr. Antiguidades Judaicas, 8, 100.