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“Na velhice, não me abandones”

 


 

O título da mensagem do Papa Francisco para o IV Dia Mundial dos Avós e Idosos, a celebrar no próximo domingo, é uma frase curta, forte e crua: “Na velhice, não me abandones”. Inspira-se num texto bíblico, um pouco mais longo, que passo a citar: “Não me rejeites no tempo da velhice, não me abandones, quando já não tiver forças. (...) Na velhice e de cabelos brancos, não me abandones, ó Deus, para que anuncie a esta geração o teu poder e às gerações futuras a tua força” (Sl 71, 9.18). O Salmo 71 é, no todo e nas suas partes, um grito lancinante de quem sente pairar sobre si a crueldade da incompreensão, da perseguição e do abandono. Destina-se a Deus, mas pode bem dirigir-se a cada um de nós!

Na sua mensagem, o Papa constata que “a molesta companheira da nossa vida de idosos e avós é, com frequência, a solidão” e aponta como principais causas para tal a emigração dos filhos e as guerras (os homens combatem e as mães deixam o país para dar segurança aos filhos mais pequenos). Facilmente se constata que, “nas cidades e aldeias devastadas pela guerra1, permanecem sozinhos muitos idosos e anciãos, únicos sinais de vida em áreas onde parecem reinar o abandono e a morte”. 

O Papa refere-se ainda a uma convicção falsa, existente em muitas partes do mundo, e “profundamente enraizada nalgumas culturas locais, que gera hostilidade contra os idosos, suspeitados de recorrer à feitiçaria para se apoderarem das energias vitais dos jovens; e assim, em caso de morte prematura, doença ou sorte desfavorável que recaiam sobre um jovem, a culpa é atribuída a algum idoso”. E acrescenta: “É um daqueles preconceitos sem fundamento do qual já nos libertou a fé cristã, mas ainda alimenta uma certa conflitualidade geracional que persiste entre jovens e idosos”. Preconceito é também pensar que o dinheiro gasto nas reformas e nos cuidados de saúde dos idosos é sonegado aos jovens, hipotecando o seu futuro. Bastaria lembrar, para contrapor, quanto dinheiro dos idosos foi gasto no cuidado dos mais novos... 

Na atualidade, os idosos não sofrem apenas de solidão, mas também de descarte, duas realidades que “não são casuais nem inevitáveis, mas fruto de opções – políticas, económicas, sociais e pessoais – que não reconhecem a dignidade infinita de cada pessoa, para além de toda a circunstância e em qualquer estado ou situação [em que] se encontre” (Dicastério para a Doutrina da Fé, Dignitas infinita, n.º 1). Tal acontece quando se olha para a pessoa como um número ou uma fonte de despesa. “O pior é que, muitas vezes, acabam dominados por esta mentalidade os próprios idosos que chegam a considerar-se um fardo, sendo os primeiros a quererem desaparecer”, acrescenta o Papa.

Neste tempo e na cultura que o carateriza, tornaram-se frequentes – e até aceitáveis – quer a solidão quer o descarte. Na sua génese, está uma exclusão planeada e até partilhada – que infelizmente acontece em muitos lares – por decisão própria ou imposta. Parece que “perdemos o gosto da fraternidade” (Papa Francisco, Fratelli tutti, n.º 33). Contudo, os idosos têm um papel insubstituível na família, na sociedade e na Igreja e, ao invés do que se pensa, não são um peso, mas uma fonte de graças e bênçãos. 

O idoso é uma biblioteca viva, um livro cheio de conhecimentos, carregando em cada capítulo histórias repletas de experiência e sabedoria. A velhice “é a época em que nos libertamos da tirania da beleza, da escravidão do tempo, do ardor arrebatador das paixões e, livres das amarras desses vilões, experimentamos a ousadia de ser quem, de facto, somos” (Edna Frigato). Pôr toda esta bagagem de experiência de vida ao serviço dos mais novos é proveitoso para uns e para outros, por razões óbvias e de todos conhecidas... a proximidade e cumplicidade entre avós e netos! 

Urge que a cultura do descarte dê lugar à do cuidado, invertendo o modo de ver a idade avançada. Nessa linha se exprime o livro de Ben Sirá: “Filho, ampara o teu pai na velhice, não o desgostes durante a sua vida; mesmo se ele vier a perder a razão, sê indulgente, não o desprezes, tu que estás na plenitude das tuas forças” (3, 12-13). 

O Papa termina a sua mensagem com um apelo forte: “não deixemos de mostrar a nossa ternura aos avós e aos idosos das nossas famílias, visitemos aqueles que estão desanimados e já não esperam que seja possível um futuro diferente. À atitude egoísta que leva ao descarte e à solidão, contraponhamos o coração aberto e o rosto radioso de quem tem coragem de seguir um caminho diferente e dizer: “não te abandonarei”2

Se aos avós se pede que continuem a fazer aquilo que bem sabem, cuidar dos netos, a estes pede-se que amem e cuidem dessas enciclopédias vivas, os seus avós. Será uma forma bonita e original de celebrar tão importante dia, o dos avós e idosos.

1E pela pobreza, acrescentamos nós!

2É sugestiva a resposta de Rute à sogra Noémi que, no seguimento da viuvez de Rute, insistia com ela para que voltasse à casa dos seus pais: “Não insistas para que te deixe, pois onde tu fores, eu irei contigo e onde pernoitares, aí ficarei; o teu povo será o meu povo e o teu Deus será o meu Deus” (Rt 1, 16).

Pe. João Alberto Sousa Correia

Pe. João Alberto Sousa Correia

22 julho 2024