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OS DIAS DA SEMANA O perigo das profecias auto-realizáveis

 

 

 

 

 

“Falências, colapsos, escassez: o medo do futuro torna mais provável que o futuro que queríamos evitar aconteça!”. Era assim que a revista Alternatives Economiques [1] começava por apresentar as profecias auto-realizáveis. O esclarecimento é correcto.

Uma profecia auto-realizável tem um mecanismo simples. Começa por haver uma percepção errónea de uma situação. A difusão desta visão falsa incita, a seguir, um determinado comportamento. E este comportamento conduz a que a profecia se torne verdadeira. Foi o sociólogo americano Robert King Merton quem, em meados do século passado, explicou o que é e como funciona uma “self-fulfilling prophecy”, um peculiar género de previsões com efeitos perversos.

Abundantes exemplos podem ilustrar adequadamente como as profecias se cumprem pelo facto de terem sido vaticinadas. Alguns podem ser banais. É o caso de um prognóstico que se difunde quanto à iminência de um determinado produto ir escassear. Em consequência, as pessoas começam a açambarcá-lo, comprando-o em exageradas quantidades. Resultado: o produto rareia. Razão alguma justificaria que viesse a faltar, mas o excesso de procura, em consequência de uma previsão enganada, acabou por fazer com que a escassez efectivamente se registasse.

Há múltiplas investigações sobre profecias que se auto-realizaram em domínios diversos. Particularmente nocivas são as que dizem respeito à segurança, ou insegurança, urbana. Tudo pode começar por uma previsão aterrorizadora sobre uma zona de lazer, muito frequentada por gente de todas as idades, particularmente por crianças, que, diz-se, se vai transformar num local inseguro. A antevisão pode ser consequência de uma percepção errada de algo irrelevante, de um mero acaso, ou, às vezes, consequência de nada. Por causa de tal pressentimento, algumas pessoas começam a evitar ir ao sítio e a impedir que as suas crianças aí brinquem. Constatando que os mais pequenos se vêem em menor número e não encontrando certas pessoas com quem se cruzavam habitualmente, há gente que, apesar de ser menos temerosa, começa a considerar que, afinal, o lugar deve ser mesmo inseguro. Ao fim de pouco tempo, não se avista seja quem for. Todos passaram a evitar a zona, que, sem vivalma, se torna particularmente convidativa para actividades pouco recomendáveis, o que faz com que o lugar, finalmente, se torne perigoso.
De resto, as profecias políticas, designadamente as que concernem ao aumento de insegurança pública, encontram-se entre as mais apetecíveis. É quase impossível não renderem proveito. Anunciar a iminência de um mal proporciona invariavelmente um ganho ao anunciante. Se o mal não ocorrer, aquele que o previu pode gabar-se de as suas palavras terem contribuído para o evitar. Se ocorrer, pode vangloriar-se de o ter antecipado. Se o próprio nada parece ter a perder, a realidade que as suas palavras, perversamente, contribuíram para construir pode ser prejudicial para muita gente.

Em matéria de insegurança pública, em vez de profecias tantas vezes auto-realizáveis, instiladoras de medo, é necessário empreender políticas públicas nas variadas áreas em que a insegurança pode ser prevenida – políticas que, por exemplo, fomentem a coesão social e territorial, que erradiquem a pobreza, que cuidem da saúde mental, que melhorem o ensino, que promovam o trabalho digno, que invistam na cultura, que qualifiquem o espaço público.

E é também indispensável que haja cidadãos mais esclarecidos e interventivos – menos vulneráveis, afinal, a profecias que provocam o que dizem pretender evitar.

 

 

 

[1] Aude Martin e Emilie Plateau – “Les prophéties autoréalisatrices”. Alternatives Economiques, 17 de Março de 2020

 

 

Eduardo Jorge Madureira Lopes

Eduardo Jorge Madureira Lopes

3 março 2024