twitter

História faz de Vilar de Mouros um festival muito especial

História faz de Vilar de Mouros um festival muito especial
Fotografia Miguel Viegas

Luísa Teresa Ribeiro

Chefe de Redação

Publicado em 31 de agosto de 2023, às 09:00

Percurso «extraordinário» remonta a 1965.

A «história extraordinária» é um dos motivos pelos quais Vilar de Mouros, no concelho de Caminha, vai ser sempre «um festival muito especial», que ao longo dos tempos tem tido a capacidade de vencer obstáculos e de renascer.

É desta forma que Fernando Zamith, autor do livro “Vilar de Mouros – 35 Anos de Festivais” fala do evento, na altura em que se comemoram 20 anos do lançamento desta obra.

O docente universitário explica que a edição mais conhecida do início do festival é a de 1971, que trouxe a Portugal Elton John e Manfred Mann, mas a história remonta a 1965, quando António Barge começou a organizar festivais de folclore.

Sobre a primeira edição não se sabe quase nada, sobre a de 1966 que houve grupos da Galiza e sobre a de 1967 que teve nove dias de programação, com um cartaz que já ultrapassava o folclore.

Médico natural da freguesia vizinha de Venade e casado com uma vilarmourense, mas radicado em Lisboa, António Barge organizou em 1968 um festival completamente diferente, com folclore, a Banda da GNR a tocar peças sinfónicas e uma Serenata de Coimbra, com nomes como Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira, com o «arrojo de fintar o regime político».

Nessa data, António Barge fez uma paragem para preparar uma grande edição, para a qual encomendou duas obras, que custaram cem contos cada uma: uma ao maestro António Vitorino de Almeida e outra a Joly Braga Santos, Natália Correia e David Mourão Ferreira.

O festival de 1971 dividiu-se em três fins de semana, tendo o primeiro sido dedicado à música sinfónica, o segundo às bandas Pop nacionais, Elton John e Manfred Mann e o terceiro a Amália Rodrigues e Duo Ouro Negro.

«Hoje, chama-se a Vilar de Mouros “Woodstock português” porque o festival aconteceu dois anos depois do norte-americano. António Barge terá tido influência de Woodstock e do Festival da Ilha de Wight, mas não foi uma cópia, uma vez que ele estava desde 1968 a preparar um grande festival para juventude», ressalva o investigador.

Apesar de ter sido um acontecimento inovador, antes do 25 de Abril, revelou-se um desastre financeiro, pelo que o médico prometeu à esposa que nunca mais se metia em algo semelhante, «mas deixou ali a semente, a marca», refere Fernando Zamith.

Depois da tentativa de se organizar a segunda edição em 1975, que acabou por não se concretizar, o festival voltou em 1982, por iniciativa da Câmara de Caminha, com nove dias de música, incluindo a primeira atuação dos U2 em Portugal.

Após novo interregno, regressa em 1996, quando começavam a aparecer os novos festivais comerciais, para uma edição comemorativa dos 25 anos, organizada pela Música no Coração.

A exiguidade do Campo do Casal, onde se realizava o festival, levou a Junta de Freguesia a negociar cerca de 50 parcelas para ter o terreno que passou a ocupar desde 1999.

Novo percalço em 2007, quando o festival foi cancelado três semanas antes do evento.

Fernando Zamith salienta que «quem pegou no festival em 2016, e sobretudo a partir de 2017, de uma forma já profissional, teve sempre uma vida muito dura para arranjar patrocinadores».

Em seu entender, ao «arrojo» e à «ousadia» inicial, junta-se uma «história extraordinária», marcada pela capacidade de «ultrapassar muitos maus bocados e de renascer».

«O festival marca por ser inovador, realizando-se ao ar livre, no Alto Minho, à beira do rio Coura. Marca por ser eclético, por não ter um perfil muito específico em termos musicais», declara.

 

Diferentes gerações unidas pela música

Fernando Zamith defende que Vilar de Mouros, por ter sido «inovador, arrojado e eclético, com o percurso que teve, passou a ser um festival que une várias gerações».

Olhando para os primeiros festivais a cargo da atual organização, recorda que houve uma «aposta na nostalgia», com a apresentação de bandas dos anos 80, de forma a atrair as pessoas que estiveram nas edições mais antigas, para que elas trouxessem os filhos.

Nos últimos anos, nota, já se introduziram os anos 90, provocando a nostalgia numa geração a seguir. Este ano, surgiram as bandas dos anos 2000. «O princípio continua a ser basicamente o mesmo: gente que tem saudade das bandas dos bons velhos tempos da sua juventude, mas atualizando as gerações».

O autor do livro sobre o festival admite que teve algum receio relativamente ao cartaz deste ano, que voltou a ser organizado pela Surprise & Expectation, com uma «aposta arrojada» em rock mais pesado e noutros estilos musicais, mas a programação acabou por resultar. «Com o pouco dinheiro que existe, Vilar de Mouros tem de apresentar propostas com o mínimo de coerência e que resultem, das quais as pessoas gostem», diz.

A edição deste ano teve quatro dias de música, entre 23 e 26 de agosto, tendo recebido cerca de 70 mil pessoas, para ouvirem nomes como Limp Bizkit, The Prodigy, Within Temptation, Pendulum e James. O último dia esgotou, com 25 mil festivaleiros. O festival regressa de 21 a 24 de agosto de 2024.

 

Festival dá impulso ao turismo

Fernando Zamith considera que o Festival Vilar de Mouros dá um impulso ao turismo, indo ao encontro do desejo de António Barge de divulgar os belos recantos do país.

O autor do livro sobre o festival recorda que uma das formas que António Barge encontrou para fazer a promoção do evento foi enviar um postal com uma fotografia das azenhas de Vilar de Mouros, convidando os colegas médicos a irem conhecer esse paraíso lindíssimo.

«António Barge queria promover o turismo. Achava que Portugal tinha de olhar para os seus pequenos paraísos e chamar as pessoas para que os pudessem conhecer», explica.

A ponte românica, as azenhas e a praia fluvial com Bandeira Azul são, atualmente, atrativos turísticos, que chamam visitantes, mesmo fora das datas do festival.