O encontro “Praça Central”, realizado hoje no Auditório Vita, em Braga, numa organização da Conferência Nacional das Associações de Apostolado dos Leigos, debateu os impactos da Inteligência Artificial (IA) na saúde, na educação, na justiça, nas artes, na pastoral e teologia e na comunicação.
Uma das ideias partilhadas pelos oradores é que esta ferramenta tecnológica veio para ficar e deve ser utilizada de forma ética, colocando sempre o ser humano no centro.
A médica Sofia Reimão, professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, sublinhou a relevância da IA, especialmente na área da saúde, destacando que, embora a tecnologia ofereça grandes avanços, a relação médico-doente «é um ato humano que nenhuma máquina pode substituir».
A docente destacou que em Imagiologia, especialidade onde trabalha, é onde têm sido dados mais passos, mas sem grandes ganhos a nível da redução do tempo de interpretação dos exames e na melhoria da qualidade dos resultados.
António Valente de Andrade, professor da Universidade Católica Portuguesa, refletiu sobre os múltiplos desafios que surgem com a implementação da IA na Educação.
«A IA tem impacto na investigação, no ensino, na gestão das escolas e até na própria forma de ensinar. Podemos ter sistemas que ajudam na aprendizagem, mas também existe o risco de facilitar a preguiça, tornando os alunos dependentes da tecnologia», alertou.
O docente referiu ainda que, embora a IA possa ser uma poderosa ferramenta para a personalização do ensino e a melhoria da aprendizagem, esta depende da motivação do estudante e da forma como utiliza esta tecnologia.
Na área da justiça, Pedro Vaz Patto, juiz desembargador e presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz considerou que a IA é uma ferramenta útil para agilizar o trabalho dos profissionais da justiça, permitindo uma recolha e tratamento mais rápidos de informações.
No entanto, alertou para os riscos, a nível ético, da utilização da IA na tomada de decisões judiciais, principalmente no âmbito criminal.
«A decisão judicial é um ato humano, com uma dimensão que vai além da simples análise de dados», disse o presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz, referindo-se à importância de fatores como o arrependimento do réu, que não podem ser avaliados por uma máquina.
Pedro Vaz Patto salientou que, embora a IA possa ser útil para identificar padrões de comportamento, a decisão final deve sempre envolver uma análise humana, pois a possibilidade de mudança do ser humano não pode ser ignorada.
«Acreditar na possibilidade de mudança é um risco, mas é um risco que devemos correr» concluiu.
No segundo painel, Carlos Liz, consultor em Estudos de Mercado e de Opinião, falou sobre a utilização da IA nas artes. O consultor que o uso da IA é irreversível e a sua utilização nas artes é uma oportunidade para «mais e melhor evangelização».
Citando um frade franciscano, Paolo Benauit, disse que é melhor dialogar com a IA do que pregar, e incentivou a «fazer algoritmos éticos», para que haja «compatibilidade ética entre as artes a IA».
O padre Tiago Freitas, da Arquidiocese de Braga, refletiu sobre os impactos da IA na Pastoral e na Teologia. O sacerdote destacou que o uso da IA na fé e na pastoral é, em muitos aspectos, semelhante à sua aplicação em outros setores, funcionando como uma ferramenta complementar e de auxílio.
«A IA pode ser um recurso valioso para a catequese, para a preparação de homilias pelos sacerdotes, e até na investigação em áreas como a arqueologia e a tradução de textos da Sagrada Escritura», reconheceu.
No entanto, levantou a questão do uso de linguagens generativas, como os chatbots e o ChatGPT, que têm a capacidade de criar respostas que se assemelham cada vez mais a uma conversa com uma pessoa real, particularmente quando usadas em contextos espirituais.
«Há experiências em que a IA é usada para direcção espiritual, confissões ou diálogos, e isso traz desafios interessantes. Temos de nos perguntar: onde está a inteligência sobrenatural de Deus nesse processo?», questionou.
Para o sacerdote, a fé cristã exige algo mais do que uma simples recapitulação de dados e informações gerados por máquinas.
«É preciso que a inspiração divina seja uma parte essencial da experiência religiosa, algo que a IA, por mais avançada que seja, não poderá substituir», acrecentou.
O painel terminou com a participação de Daniel Catalão, que refletiu sobre os impactos da IA na comunicação. O jornalista considerou que a IA é uma ferramenta incontornável no jornalismo, mas o seu uso requer sempre «supervisão humana», sob pena dos jornalistas virarem «gestores de algoritmos».
Daniel Catalão alertou para o risco de manipulação, desinformação, propaganda e desinteresse pela realidade quando se usam as redes sociais e IA generativa sem critérios, verificação e confronto de dados.
«A IA não é apenas uma ferramenta. Ela toma decisões, aconselha e faz. Essa é uma vantagem, mas também um grande perigo», notou, defendendo uma «nova literacia, não só para os media, mas para a IA».
O encontro “Praça Central”, com o tema ‘Fia-te nos algoritmos e não vivas… Desafios Humanos na Era da IA: um debate urgente’, terminou com a celebração da Eucaristia, na Capela Imaculada.