O silvo da locomotiva faz apressar o passo em direção à estação da Régua. Ainda falta bastante tempo para a partida, marcada para as 15h30, com a recomendação de se chegar meia hora antes, mas a curiosidade faz com que os turistas se aproximem do comboio que os vai levar numa viagem pela Linha do Douro.
O centro das atenções é a locomotiva CP 0186, construída em 1925, pela mão de Henschel & Sohn, na Alemanha. Os mais curiosos querem subir a bordo para ver o funcionamento desta máquina a vapor, enquanto outros multiplicam as fotografias que hão de levar esta experiência pelo mundo fora.
Com o aproximar da hora da partida, a CP – Comboios de Portugal presenteia os passageiros com um cálice de vinho “Porto Ferreira”, água, rebuçados da Régua e doces de amêndoa, num aperitivo para a descoberta dos sabores típicos da região.
A festa começa ali mesmo, junto ao comboio, com a atuação do Grupo Folclórico e Recreativo de Godim a proporcionar o primeiro pezinho de dança da tarde.
Pouco a pouco, começam-se a encher as cinco carruagens históricas, construídas entre 1908 e 1934, que disponibilizam um total de 254 lugares.
Lado a lado, portugueses e estrangeiros, de todas as idades, começam a percorrer os 36 quilómetros que separam as estações da Régua e do Tua, com os carris implantados junto ao rio.
Com o comboio a uma velocidade que não ultrapassa os 50 quilómetros por hora, as janelas abertas e os varandins existentes nas extremidades das carruagens permitem ver sem a intermediação do vidro a paisagem do Douro Vinhateiro, classificada como Património Mundial da UNESCO desde 2021, que desfila diante dos olhos em todo o seu esplendor.
Os socalcos com vinhas, salpicados pelas esporádicas casas imponentes e armazéns agrícolas das quintas da região, erguem-se junto ao rio.
Passageiros do comboio e dos barcos aplaudem-se mutuamente na comunhão de quem desfruta o privilégio de uma viagem no Douro.
As palmas marcam a chegada ao Pinhão, onde os viajantes seguem com interesse a reposição da água da caldeira da locomotiva. Entre os passageiros atentos a esta operação está o presidente da CP, Pedro Moreira, que marcou presença no arranque da temporada de 2024 do comboio histórico, a 15 de junho.
Com a caldeira cheia, prossegue-se até ao Tua, com a animação constante do grupo folclórico.
As conversas intercalam com períodos de silêncio, com a cabeça à janela, a sentir o vento e o sol na cara, enquanto se frui da paisagem.
Chega-se, entretanto, à estação do Tua, onde a paragem é mais longa. Para além do abastecimento da caldeira, há uma manobra em que a locomotiva se desprende das carruagens e segue por outra linha até se posicionar na frente do comboio para dar início à viagem de regresso.
Sendo este local uma porta de entrada do Vale do Tua, um edifício recuperado na estação ferroviária alberga o Centro Interpretativo do Vale do Tua. Não há tempo para fazer uma visita, mas fica sinalizada a vontade de voltar para ver o espaço e partir à descoberta de uma zona que é um autêntico tesouro do turismo nacional.
Na viagem de regresso, a festa continua a bordo. Na paragem no Pinhão, desta vez a atenção centra-se nos azulejos que revestem a estação, retratando a Região Demarcada do Douro – a primeira a nível mundial, em 1756 – e a sua atividade vitivinícola, as fainas agrícolas, as paisagens e os costumes. Aqui existe também uma “Wine House”, onde é possível adquirir produtos típicos da região.
Às 18h26, a chegada à Régua é vivida com a certeza de que esta é uma experiência que se vai querer repetir. A temporada deste ano decorre até 27 de outubro, num total de 55 circulações, às quartas-feiras, sábados, domingos, num convite para subir a bordo e deixar-se deslumbrar.
Mais viagens põem turismo a todo o vapor
A CP – Comboios de Portugal reforçou o número de viagens do Comboio Histórico do Douro para fazer face ao crescimento turístico.
O presidente da empresa, Pedro Moreira, explica que, no ano da reformulação deste produto turístico, em 2022, foram transportados 9.200 passageiros. Em 2023, houve um aumento para 44 circulações, com cerca de 10.800 passageiros.
«Uma vez que em 2023 a taxa de ocupação média foi superior a 97% e, das 44 circulações, 30 circularam com lotação máxima, decidimos, este ano, aumentar das 44 para as 55 viagens, que representam uma oferta superior a 2.700 lugares», adianta, manifestando a expetativa de «um novo aumento do número de clientes a quererem experimentar esta viagem fantástica».
Este responsável acrescenta que três viagens são para oferecer aos municípios parceiros da CP neste produto turístico, Peso da Régua, Alijó e Carrazeda de Ansiães, que vão colocar a bordo dos comboios pessoas que não têm condições financeiras para pagar a viagem. «É uma forma de reforçarmos o papel da CP na área da responsabilidade social e de estabelecermos uma ligação mais forte com estas instituições locais da região do Douro», especifica.
Pedro Moreira refere que esta medida faz parte do reforço da ligação aos três municípios com os quais a CP tem uma parceria para a divulgação dos produtos locais e animação dos percursos com ranchos folclóricos a bordo.
Comboio «transporta história, cultura e emoções, apostando no envolvimento da região», numa parceria com as câmaras de Alijó, Carrazeda de Ansiães e Peso da Régua.
Em seu entender, estas parcerias vieram enriquecer uma «experiência fantástica», que «alia um comboio com grande valor histórico – a locomotiva será centenária no próximo ano – a uma paisagem que é das mais belas do nosso país».
«Há um sentimento de que estamos, de facto, a regressar ao passado. Viajar a bordo, sem nenhum componente da modernidade, faz-nos sentir que viajamos no passado e que estamos a ter uma experiência fora do que é comum numa viagem tradicional de comboio», enfatiza.
A experiência fantástica é criada por toda a envolvente, pela paisagem, aliada a viajar a bordo de um comboio histórico, cuja locomotiva vai fazer 100 anos em 2025. Pedro Moreira
Em relação aos clientes, o percurso é procurado por portugueses, designadamente em viagens de família ou românticas. Há também estrangeiros, que compram viagens diretamente à CP ou através de agências de viagens, que adicionam este produto aos seus pacotes de experiências na região.
A viagem tem um custo de 54 euros por adulto, 28 euros por criança e preços especiais para grupos. Mais informações podem ser obtidas em www.cp.pt.
Setor ferroviário tem grande potencial turístico
O presidente da CP – Comboios de Portugal, Pedro Moreira, afirma que há um «grande potencial turístico no setor ferroviário», por isso a empresa está a apostar, desde 2022, na reformulação desta oferta.
O responsável explica que o comboio das amendoeiras em flor foi o primeiro produto turístico reformulado, seguindo-se o comboio histórico do Douro. «Apresentámos, em 2023, com uma primeira temporada de viagens comerciais este ano, o comboio presidencial, que está a ser um sucesso», acrescenta.
Paralelamente, até ao fim do mês de agosto, aos sábados, decorre o comboio histórico do Vouga. Entre Aveiro e Macinhata do Vouga, os passageiros seguem a bordo de carruagens dos primeiros anos do século XX, rebocadas pela histórica locomotiva diesel 9004. No regresso, há uma paragem para visitar o centro histórico de Águeda.
O responsável refere que estes produtos turísticos são uma forma de valorizar o património histórico que a CP possui. «Em 2019, criámos em Contumil uma unidade focada na manutenção de comboios históricos. Isto tem criado condições para repararmos, modernizarmos e colocarmos novamente ao serviço» o espólio histórico da empresa, salienta.