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Uma situação deveras chocante

Quarenta anos volvidos sobre o 25 de Abril, ainda persistem situações chocantes na vida das famílias portuguesas. Uma delas prende-se com o desconforto térmico de inúmeras casas de habitação.

É verdade. Em Portugal (continental), um dos países europeus com o clima mais ameno, 74% da população vive em casas desconfortáveis e geladas!

A conclusão consta do relatório de um inquérito desenvolvido pela associação ambientalista Quercus sobre conforto térmico em casa, no qual se revela que cerca de ¾ dos portugueses consideram as suas casas frias e apenas um em cada cem refere ter a casa termicamente confortável. E daqueles, 37% afirmam que a casa em que vivem não possui qualquer isolamento, enquanto 35% dizem não saber se a sua casa possui isolamento.

Ora, esta situação é inadmissível, sobretudo num Estado em cuja Constituição se acha inscrito, como um dos direitos fundamentais dos cidadãos, o direito a uma habitação condigna. Mas, pior do que ter frio num país em que não há frio excessivo, é haver portugueses que padecem e morrem por causa do frio, por via de doenças (pneumonias, gripes e outras) que as baixas temperaturas potenciam.

Haver gente a dormir vestida e enrolada em cobertores, em casas geladas, é, pois, um quadro que não pode deixar de nos envergonhar como povo.

Por outro lado, o parque habitacional em Portugal encontra-se profundamente degradado: de um total de quase 6 milhões de fogos existentes, um milhão e meio necessitam de conservação.

A isto acresce que, apesar da mencionada situação, há ainda dezoito mil famílias com carências habitacionais, vivendo em núcleos, em condições precárias, o que também deve ser motivo de preocupação de todos, poderes públicos e sociedade civil.

Perante estas constatações, importa reflectir sobre o melhor caminho a seguir para a resolução dos problemas que lhes estão subjacentes. E a primeira ideia que me parece dever sublinhar-se quando se equaciona a problemática do conforto térmico das habitações e dos edifícios em geral é a de que é possível, sem grandes consumos energéticos, obter uma melhor qualidade de vida. E que, para esse efeito, a via mais adequada a trilhar é a que assenta numa construção eficiente, isto é, na eficiência energética dos edifícios.

E percebe-se que assim deva ser, tendo presente que a electricidade, em Portugal, é a quarta mais cara da Europa, o que, desde logo, nos condiciona negativamente. Por isso, tem de se evitar ao máximo as perdas de calor em casa, o que pressupõe a adopção de adequadas políticas de eficiência energética, preconizadas, de resto, há vários anos, em directivas e instruções da União Europeia (EU).

Assim sendo, face ao circunstancialismo acima aludido, afigura-se como prioritária a reabilitação sustentável dos edifícios existentes, por forma a isolá-los convenientemente, para que o calor gerado dentro de casa se conserve. E isso passa tanto pelo isolamento térmico das paredes ou dos elementos opacos das construções, como pelos vãos envidraçados e portas, que têm de ser providos de caixilharias adequadas.

Sendo esta uma necessidade premente, importa que o Estado português crie instrumentos eficazes para a superar e que os cidadãos sejam da mesma devidamente consciencializados e informados dos meios que lhes sejam disponibilizados.

Quanto aos novos edifícios, a questão vai além da simples necessidade, pois implica a obrigatoriedade do cumprimento de normas específicas sobre o desempenho energético dos edifícios. A este propósito, convém recordar aqui que existe já uma directiva europeia, com força obrigatória na ordem jurídica portuguesa que, além do mais, impõe que, a partir de 1 de Janeiro de 2020, em novos edifícios particulares seja implementado o NZED – “Nearly Zero Energy Building” –, isto é, um regime que consagra edifícios com necessidades nulas de energia.

Tendo em consideração que cerca de 40% do consumo total de energia da UE corresponde a edifícios, pode intuir-se o alcance estratégico desta directiva comunitária no sentido de reduzir a dependência energética da UE e, concomitantemente, diminuir a emissão de gases com efeito de estufa.

Dito isto, convém saber que existem linhas de crédito inovadoras, patrocinadas pelo Estado, para reabilitação dos lares portugueses e a sua melhoria ou eficiência energética, em condições muito favoráveis – a “Casa Eficiente” e o “Instrumento Financeiro para Reabilitação e Revitalização Urbanas” (IFRRU) – dotadas com substanciais fundos públicos europeus e nacionais, aos quais acrescem ainda recursos da banca comercial.

Mas convém também, sobretudo, que a existência destes instrumentos financeiros chegue ao conhecimento dos portugueses que mais se queixam de ter frio nas suas próprias casas, a quem devem ser explicadas as condições de acesso, a formalização de candidaturas e o apoio burocrático disponível.

Se assim acontecer, estão criadas as condições para resolver convenientemente um grave problema nacional, com a vantagem adicional de assim se estar igualmente a dinamizar a construção civil, a criar emprego e a reduzir as emissões de carbono.


Autor: António Brochado Pedras
DM

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20 abril 2018