A reforma litúrgica do Vaticano II procurou corresponder às necessidades reais e à esperança concreta de uma renovação: desejava-se uma liturgia viva para uma Igreja toda ela vivificada pelos mistérios celebrados. Ou seja: «tratava-se de exprimir de maneira renovada a perene vitalidade da Igreja em oração, pondo todo o cuidado em proporcionar que os fiéis não assistam como estranhos e espectadores mudos a este mistério de fé, mas compreendendo-o bem por meio dos ritos e das orações, participando na acção sagrada conscientemente, plenamente e activamente», como se recorda no n.º 48 da Constituição Sacrosantum Concilium.
Como o realçou Paulo VI, foi a Igreja quem, em primeiro lugar, quis promover e acender esta nova maneira de rezar, dando assim maior incremento à sua missão espiritual. E nós devemos ser os primeiros a fazermo-nos discípulos e fomentadores da escola de oração que com a renovação começa».
O Papa recorda-nos que não basta reformar os livros litúrgicos para renovar a liturgia. «Os livros reformados de acordo com as normas e decretos do Vaticano II iniciaram um processo que exige tempo, uma recepção fiel, obediência prática, sapiente actuação celebrativa, primeiro, por parte dos ministros ordenados, mas também dos outros ministros, dos cantores e de todos aqueles que participam na liturgia. Bem sabemos que a educação litúrgica dos Pastores e dos fiéis é um desafio a enfrentar sempre de novo».
É preciso continuar a trabalhar na descoberta dos motivos das decisões levadas a cabo com a reforma litúrgica, superando leituras infundadas e superficiais, recepções parciais e práticas que a desfiguram. Mas o Papa afirma mais: «Depois do rico magistério exercitado ao longo destes anos, depois do longo caminho percorrido, podemos afirmar com segurança e com autoridade magisterial que a reforma litúrgica é irreversível».
A liturgia é viva, porque Cristo continua vivo e presente na acção litúrgica e porque ela é uma acção do povo santo de Deus. A liturgia é inclusiva e não exclusiva, fomentadora de comunhão, porque a «eucaristia não é um sacramento para mim, mas é o sacramento de muitos que formam um só corpo, o santo povo de Deus».
O culto litúrgico não é antes de mais uma doutrina a compreender ou um rito a executar. É naturalmente também isto, mas de uma outra maneira e essencialmente diferente: é uma fonte de vida e de luz para o nosso caminho de fé. «As reflexões espirituais são uma coisa diferente da liturgia, a qual é precisamente entrar no mistério de Deus; deixar-se levar ao mistério e ser no mistério». Há uma grande diferença entre dizer que existe Deus e sentir que Deus nos ama assim como somos, agora e aqui. Na oração litúrgica, experimentamos a comunhão significada, não por um pensamento abstracto, mas por uma acção que tem por agentes Deus e nós, Cristo e a Igreja.
«A Igreja é verdadeiramente viva se, formando um só ser vivo com Cristo, for portadora de vida, materna, missionária, saindo ao encontro do próximo, solícita de servir sem se render aos poderes mundanos que a tornam estéril. «Por isso, celebrando os santos mistérios, recorda Maria, a Virgem do Magnificat, contemplando nela "como numa imagem puríssima", aquilo que toda ela deseja e espera ser».
Francisco assinala ainda que a riqueza da Igreja em oração não se esgota no Rito Romano, embora seja o mais utilizado e difundido. «A harmonia das tradições rituais, do Oriente e do Ocidente, pelo sopro do mesmo Espírito Santo, dá voz à única Igreja orante por Cristo, com Cristo e em Cristo, para glória do Pai e para a salvação do mundo».
Aos responsáveis eclesiais pede o empenho de ajudar os ministros ordenados, bem como os outros ministros, os cantores, os artistas, os músicos, a que cooperem para que a liturgia seja «fonte e cume da vida cristã», como se diz no n.º 10 da Constituição sobre a Liturgia do Vaticano II.
Autor: Carlos Nuno Vaz
Uma liturgia viva para uma Igreja vivificada pelos mistérios celebrados

DM
30 setembro 2017