1. O presidente-eleito da República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, já foi apelidado de “Trump tropical” – talvez seja pecar por defeito –, atendendo ao teor das afirmações extremistas que proferiu antes e ao longo da campanha eleitoral, durante a qual fugiu a qualquer debate eleitoral – o que, há anos, ditaria a derrota dum candidato –, mas com uma frenética actividade propagandística através das redes sociais, vociferando também afirmações bombásticas ao telefone – tudo sempre fora das possibilidades de contraditório. Com 63 anos, capitão (expulso) do Exército na reserva, foi até agora (durante 27 anos) deputado apagado, conhecendo-se dele apenas uma rotina de frases extremistas (algumas delas nem ouso transcrever).
O New York Timesnoticiou a sua candidatura como "uma das mudanças políticas mais radicais do Brasil nos últimos 30 anos", rotulando-o de populistae representante da extrema-direita, recordando que não se coibiu de "exaltar a ditadura militar brasileira, defender a tortura e ameaçar de prender ou exilar os seus oponentes políticos". Já o francês Le Mondeironizou um pouco com as primeiras escolhas do presidente-eleito para o seu governo: "Brasil: militar, juiz anticorrupção, astronauta… os futuros ministros do governo Bolsonaro" – um governo com supremacia de militares!
2. Steve Bannon (um dos estrategas da campanha de Donald Trump) tem Bolsonaro como o líder populista que conduzirá o Brasil ao que ele chama de "capitalismo esclarecido". Para Bannon – o líder do “The Movement”, um grupo que promove o populismo extremista de direita no mundo –, afirmando que irá ao Brasil frequentemente a partir de Janeiro, diz da presidência de Bolsonaro: "Os EUA serão um parceiro ainda mais próximo do Brasil durante o governo Bolsonaro. Num pedaço do mundo onde há socialismo radical e caos na Venezuela e crise económica, com o FMI na Argentina, Bolsonaro representa o caminho do ‘capitalismo esclarecido’ e será uma liderança populista nacionalista".
E não hesita em afirmar que "há muitas semelhanças entre Viktor Orban, primeiro-ministro da Hungria, Trump, Matteo Salvini [vice-primeiro ministro da Itália, do partido anti-imigração ‘A Liga’], Nigel Farage [líder pró-Brexit], no Reino Unido, e Bolsonaro". Alguma imprensa francesa chegou a rotular Bolsonaro como a “Le Pen tropical”, mas a líder da extrema-direita francesa já se demarcou do extremismo do presidente-eleito do Brasil. De facto, quem se refere aos afro-descendentes como "os que nada fazem, nem para procriadores servem mais", quem já disse ser "favorável à tortura", ou que "o erro da ditadura [brasileira] foi torturar e não matar”, não se aproxima tanto da mente tortuosa de Trump, ou das maquinações de outros populistas, mas da perversidade do presidente filipino Rodrigo Duterte.
Neste aspecto, o Partido dos Trabalhadores terá cometido um grave erro: sabendo da sua rejeição por grande parte do eleitorado, poderia, nestas eleições, ter feito uma pausa, sem candidato, e ter apoiado ou Alckmin (da direita, que foi Governador do Estado de São Paulo), ou Ciro Gomes (do centro-esquerda). Teria ajudado a livrar o Brasil desta vaga extremista e populista.
3. Ora, o populismo que grassa no mundo associa o nacionalismo com a anti-imigração e o autoritarismo (e anti-europeísmo, na União Europeia). A visão populista da sociedade é a duma clivagem em dois grupos antagónicos – o “povo puro” (com quem dizem estar) e a “elite corrupta”; de certo modo, “nós/eles”.Com estranhos maus modos (por ex., Donald Trump, Orban, Salviani, Duterte) – qual estilo que contrasta com o modo impoluto habitual dos políticos –, "um líder populista que sobe ao poder é ‘forçado’ a ficar em campanha permanente para convencer o povo de que ele não é igual aos outros políticos, e nunca o será", como afirma Nadia Urbinati (da Universidade de Columbia).
Além disso, oconteúdo político populista é simplista, rude em vocabulário, paupérrimo em nomenclatura política, "feito de negativos" (antipolítica, anti-intelectualismo, anti-elitismo), versátil ("um discurso muito poderoso porque se adapta a todas as situações"), temivelmente justiceiro – seja nos populismos de esquerda ou de direita –, nada apreciando o “processo democrático”, a separação de poderes, os governos moderados, preferindo um estilo de democracia directa, de timbre referendário (o líder comunicando directamente com as massas).
Tal sentimento é bem ilustrado por Hugo Chávez, quando afirmou: "Eu não sou um indivíduo. Eu sou o povo". Se nos populismos de esquerda predominam apelos à igualdade e justiça, nos de direita relevam valores identitários (isto é, contra o outro, seja ele estrangeiro ou imigrante), tudo envolto em alta carga de emotividade e de irracionalismo. Em suma, o populismo é o exacto avesso do iluminismo, do esclarecimento, da racionalidade. Quem muito goste do Brasil – como eu – está necessariamente preocupado! A isto voltaremos...
O autor não escreve segundo o denominado acordo ortográfico
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha