O mundo hoje é mais perigoso não só porque há armas com um poder destrutivo nunca visto, mas também pelos estadistas quase loucos que lideram as maiores potências. De Trump já falámos aqui, pelo menos em três artigos. Outros há, com realce para o “louco da Coreia”.
1. Vladimir Putin, com 18 anos de poder absoluto, tornou-se o novo “Czar de todas as Rússias” – tal como o designa Steven Lee Myers no livro O Novo Czar: a ascensão e o reinado de Vladimir Putin (já traduzido). De ex-agente do KGB a presidente, de presidente a primeiro-ministro, ora num ora no outro cargo,permutando com Dmitry Medvedev, o fantoche político de serviço, “o Kremlin criou a máquina perfeita que não deixa que mais ninguém entre nela” – como escreveu um jornalista.
Se no início da sua presidência (2000) parecia querer, ao arrepio da posição soviética, “ancorar firmemente a Rússia ao Ocidente” – uma nova era de paz –, decorrido não muito tempo no Kremlin, hostilizou o Ocidente como nunca antes – nem mesmo na era soviética da Guerra-fria –, a ponto de o ameaçar com um conflito nuclear, garantindo possuir nova arma não detectável pelo sistema antimíssil – um projéctil “invencível”.
Preocupando em vestir roupagem democrática, Putin elimina ou prende quem o conteste, sejam opositores internos (como a jornalista Anna Politkovskaya, ou o político Boris Nemtsov). Nas recentes eleições, foram patentes os inúmeros obstáculos a candidatos oposicionistas, como Alexei Navalny, que pretendia combater – como dizia – o “estado feudal” que se instalou na Rússia, um país no qual “a maior parte da riqueza nacional é detida por uma percentagem ínfima de oligarcas”; por fim foi mesmo proibido de concorrer, com acusações criminosas inventadas.
O “novo Czar” é tortuoso na desestabilização política, não escondendo uma desmedida apetência por países da antiga Europa do Leste, nalguns deles apoiando rebeldes, como na Ucrânia, anexando a Crimeia, fomentando “hackers” (interferindo em eleições ou referendos ocidentais). Envolveu-se de tal modo na guerra civil da Síria, apoiando Bashar al-Assad, que, após as erráticas e desastrosas decisões americanas, tomou conta de parte do Médio Oriente, e acolheu na sua esfera de acção um membro da NATO, a Turquia, secular inimiga da Rússia.
2. O novo Sultão turco, Recep Tayyip Erdogan, após ter sido Prefeito de Istambul, ascendeu a primeiro-ministro (2003-2014) e a Presidente (2014). Contrastando com o período de reformas e de aproximação à Europa, que trouxeram alguma prosperidade e modernidade ao país, eis que deixou cair a máscara democrática, numa clara trajectória de islamização do país.
Se a história da Turquia foi fértil em golpes militares, em Maio de 2016 ocorreu talvez o “primeiro golpe de Estado civil”, conforme um editorialista denominou o estranho golpe que provocou 250 mortes, mais de 200 mil prisões e suspensões, uma feroz purga do aparelho de Estado – “para durar muitos anos” –, contra militares, polícias, juízes, advogados, professores, etc., quem defendia o “Estado de direito”. Erdogan está a mudar o regime, concentrando em si todos os poderes – legislativo, executivo, judicial – visando, na sua pessoa, “a restauração da glória otomana”.
3. Na Ásia, surgiu um novo Imperador com a alteração, aprovada pela Assembleia Nacional Popular, de reeleição indefinida do Presidente do país, Xi Jinping; se após o primeiro mandato de cinco anos, poderia, no máximo, ter um segundo (de cinco anos), agora não há limites. Muitos comparam o poder absoluto de Xi ao de Mao Tsé-Tung, em ruptura com o sistema erigido por Deng Xiaoping – mais colegial e com limites temporais para os altos cargos). Xi foi igualmente reeleito para presidir à Comissão Militar Central, acumulando os três cargos de maior poder (presidente, chefe das Forças Armadas, secretário-geral do Partido Comunista).
Aliás, ao seu pensamento foi dado estatuto similar ao de Mao Tsé-Tung, que, na hierarquia ideológica do comunismo chinês, significa: no topo um “pensamento”, uma “teoria” no meio, uma “visão” na base. Antes de Xi, apenas Mao teve esse destaque (o seu sucessor Deng só o teve após a morte, em 1987), com um “pensamento” inscrito na Constituição.
Assim, questionar as políticas de Xi é agora acto grave de dissensão ideológica, a juntar ao severo controlo da imprensa, da internet e das redes sociais, tendo sido banido das universidades chinesas pesquisas sobre direitos dos cidadãos, liberdade de imprensa, valores universais, independência do poder judicial, “erros cometidos pelo Partido Comunista”, etc. – ideias ocidentais perigosas.
O risco dum conflito envolvendo as maiores potências mundiais está no ponto mais elevado desde o fim da Guerra Fria: cresce a competição geopolítica das superpotências e decresce o poder da diplomacia, que diluía tensões e conflitos. Um mundo ao rubro, lembrando a crise dos mísseis de Cuba (Outubro 1962), portanto perigosíssimo!
O autor não escreve segundo o denominado acordo ortográfico.
Autor: Acílio Estanqueiro Rocha