Pai de família numerosa, colocaram-no num compartimento escondido, em local que desconhecia por completo, impossibilitado de ter qualquer contacto com o exterior. Começou por ficar bastante nervoso, tendo em mente a família que não sabia do seu paradeiro, nem do seu destino. Suspeitou que seria alvo de uma tentativa de resgate monetário.
Pouco a pouco, como bom cristão, e superados os primeiros momentos de um certo atordoamento e depressão, pensou organizar a sua vida de piedade, obrigando-se a si mesmo um plano exigente, através do qual, dentro das possibilidades que tinha, procurava estabelecer um contacto forte com Deus, rezando certamente pela sua situação e, sobretudo, pelo seu agregado familiar, que o preocupava de modo eminente. E não terá esquecido a oração pelos seus carcereiros, com a intenção de perdoar o mal que lhe causavam de modo tão cruel e arbitrário.
Assim esteve vários meses, sem qualquer contacto com o exterior. Num certo dia, em que na sua pátria se celebrava uma data histórica revolucionária, um dos seus sequestradores propôs-lhe que comemorasse essa façanha, perguntando-lhe como a queria festejar.
Surpreendido, depois de pensar no assunto, pediu que lhe dessem um copo de whisky. Com grande surpresa sua, satisfizeram esse desejo.
Já não via uma bebida tão deliciosa desde o seu encarceramento. Quando a deixaram no lugar onde costumavam colocar as refeições, o seu primeiro impulso foi o de beber de um trago aquele líquido precioso. No entanto, ao aproximar-se do copo, começou a pensar se não podia, pelas razões que o levavam a rezar tanto e a procurar a intimidade com Deus, fazer o sacrifício de retardar um pouco a sua ingestão, oferecendo os seus custos.
Hesitou, embora nunca tenha desejado tanto beber um copo de whisky como nessa ocasião! Ao cabo de algum tempo, aproximou-se mais, decidido a saborear o que tanto ambicionava. Sem demoras, pegou no copo e sentiu, de novo, uma espécie de contenção interior, no sentido de voltar a adiar a satisfação dos seus desejos de bom apreciador de tal líquido. Sentia que lhe era exigido fazer esse sacrifício por tantas razões que lhe diziam respeito.
Não estava de mãos atadas, como tinha consciência. Mas para a hora feliz do seu almejado copo, começou a sentir, dentro de si, uma espécie de força que, a pouco e pouco, lhe pedia para adiar a bebida e, por fim, não sem custo, para esquecê-la por completo, oferecendo, em lugar do escoamento pela sua garganta, a boca discreta de um ralo por onde, sem chamar a atenção, passaria para o exterior.
As tentativas goradas não foram assim tão poucas. Acabou, porém, por decidir-se e o whisky pedido para a comemoração, acabou por esvair-se no referido ralo. Sentiu-se muito feliz com o seu procedimento, embora com pena por não ter saboreado o que tanto apreciava.
Sem se pretender conectar qualquer relação de causa e efeito entre a bebida proposta e a bebida que não chegou a ser ingerida, este então jovem empresário latino-americano deu-nos o exemplo do apreço que Deus sempre mostra por quem se sacrifica. Mais tarde, conseguiu escapulir-se quando tudo parecia perdido e inalterável. E retomar as suas funções de pai de família junto da sua esposa e da sua prole.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva