Uma das mais importantes competências da Assembleia da República, órgão de soberania, é autorizar o Presidente da República a declarar a guerra ou a fazer a paz. Por isso, a eleição dos deputados deve a todos merecer a melhor atenção.
Para esta nossa afirmação muito concorre um exemplo do passado, a comédia de Aristófanes Os Acarnenses, que se pode ler numa boa tradução de Maria de Fátima Sousa e Silva Também naquela época se assistia a um afastamento do povo da política. E, claro, ontem, como hoje, sempre foi mais fácil criticar! Apresentar soluções e alternativas já requer mais esforço e empenho pessoal e colectivo de toda a comunidade.
Como já se disse, esta peça de teatro foi representada no ano 425 a. C. Estava em curso a Guerra do Peloponeso desde 431 a. C., uma guerra que opunha a democracia de Atenas à oligarquia de Esparta. Tardava em chegar a paz. Pela mão do camponês Diceópolis, isolado, na cena, o espectador observa desafortunadamente o desencanto colectivo: «venho aqui encontrar a Pnix vazia, – desabafa Diceópolis – enquanto eles palram na ágora…». Quer dizer, a Assembleia estava vazia, pois o caruncho foi corroendo de tal forma a vida colectiva que nem os dirigentes da cidade se aprestavam a chegar a horas ao início da sessão da assembleia: «Nem os prítanes vieram ainda!
Até eles vão chegar atrasados», remata o velho aldeão da localidade de Acarnas, logo acrescentando que o que lhes importa é disputar os primeiros assentos, numa correria de loucos: «Lá a paz e o modo de a conseguir, isso é o que menos os preocupa». Só ao meio dia é que os prítanes começam a ocupar os seus lugares! Já o sol ia alto! E o contraste salta aos olhos do espectador: o velho aldeão, Diceópolis, havia de chegar de manhã, ao romper da aurora.
Assim que todos ficam acomodados e após a cerimónia religiosa em honra de Zeus, abre-se a sessão da assembleia e toma a palavra um tal Anfíteo, de ascendência divina, «que os deuses encarregaram de fazer tréguas com os Lacedemónios». Mas a sua proposta de paz, que também é a solução do próprio Aristófanes, não recolhe a aprovação dos prítanes e logo ali é preso. Apenas Diceópolis se revolta, erguendo a sua voz bem alto: «Prítanes, é um ultraje à assembleia prender assim um homem empenhado, no nosso próprio interesse, em fazer tréguas e pendurar os escudos».
Mas também este seria logo silenciado e a ordem do dia continuaria, agora com as declarações de dois embaixadores, que regressavam das suas missões diplomáticas. O que foi à corte Persa, trouxe a promessa de um empréstimo em dinheiro; porém, Diceópolis logo descobre nas palavras do enviado do Rei persa «um aldrabão de primeira», ficando a descoberto a falsidade dos representantes a quem Atenas confiou a sua política externa. Semelhante desfecho havia de conhecer a embaixada enviada ao rei da Trácia, Sitalques, que ofereceu um exército, mas a ser pago por Atenas.
O velho Diceópolis, ainda no recinto da assembleia, se vê saqueado dos seus bens: «Ai que desgraça a minha! Estou perdido! Os Odomanos estão a pilhar os meus alhos!» E o velho aldeão remata: «Vocês, prítanes, têm a coragem de me ver suportar um ultraje destes na minha pátria, e da parte dos bárbaros?». E a sessão da assembleia acaba encerrada.
O poeta Aristófanes ridiculariza os motivos desta guerra, acenando com um motivo bastante frívolo, um escândalo. Assim, depois de Diceópolis se interrogar por que razão «é que atiramos com as culpas de tudo isto para cima dos Lacónios?», isto é, dos Espartanos, logo adianta «que estalou a guerra em toda a Grécia por causa de três prostitutas». Com efeito, a guerra só aproveita a alguns.
Por isso, a um dos seus paladinos que passa pelo palco, de nome Lâmaco, o velho aldeão havia de lhe atirar: «e tu, desde que a guerra começou, és da raça dos que se fazem pagar» e acrescentaria mais à frente: «Isto está bem para Lâmaco, que, ainda não há muito tempo, nem as contribuições nem as dívidas pagava».
Por oposição, o espírito pacifista desta peça expressa-o bem o Coro: a Guerra «é como um bêbado, um estroina, que se mete numa casa onde reina a felicidade e só arranja sarilhos». A comédia Os Acarnensestermina com a vitória da Paz e os frutos da prosperidade que daí advêm, num quadro de abundância na casa de Diceópolis, que festeja juntamente com os Acarnenses, que finalmente o recebem de braços abertos.
Autor: António Maria Martins Melo
Um apelo à paz nos palcos de Atenas!

DM
2 março 2019