Braga, quinta-feira, 12 de março de 2020: a Universidade suspendeu as aulas presenciais por tempo indeterminado. Faço as malas para ir ter com os meus: alguma roupa, o PC e o essencial para trabalhar à distância. Despeço-me dos outros residentes da Casa das Zitas. No aeroporto, no voo, no metro parisiense, a tensão é palpável. Em casa, espera-me a decoração festiva de um aniversário sui generis celebrado com três dias de atraso. Com a Isabel e os “meninos”, sabemos que os tempos que se avizinham serão invulgares…
Arredores de Paris, sexta-feira, 13: na véspera, o presidente francês anunciara o encerramento das escolas e universidades, a partir da segunda-feira seguinte. A Inês procura esclarecimentos junto dos professores do curso e da administração da Sorbonne para o resto do semestre. O Hugo desloca-se ao liceu para o último dia de aulas.
Sábado, 14: decidimos confinar-nos em casa, limitando as saídas ao estrito necessário. Algumas compras no supermercado da esquina e um passeio diário no jardim do condomínio. Contactam-se amigos e conhecidos. Passaremos a seguir apenas a edição da noite de um dos noticiários franceses. A enxurrada informativa não é boa conselheira. De resto, alguns filmes na Netflix e outras atividades em família, nas pausas dos períodos de trabalho.
Domingo, 15: seguimos a missa em família através da rádio e das redes sociais. Acertam-se rotinas domésticas, porque isto vai durar…. Este é também um tempo de reencontro.
Segunda-feira, 16: preparar aulas e responder às solicitações administrativas. Por telefone ou pelas redes sociais, actualizam-se ainda as notícias de familiares e amigos.
Terça-feira, 17 de março: já o pressentíamos, às 20h00, Emmanuel Macron anuncia o confinamento da população. “Estamos em guerra”, repete cinco vezes numa alocução com mais audiência do que a última final do Campeonato de mundo de futebol. Doravante, só se pode sair à rua, com uma declaração devidamente preenchida, para trabalhar (em actividades essenciais), comprar produtos de consumo ou motivos de saúde.
Quarta-feira, 18 de março: pela manhã, primeiras aulas em videoconferência de Jornalismo de Investigação e de Sociologia da Comunicação. Quase todos comparecem. É tão bom rever alunos, mesmo à distância. Parecem estar bem. São até mais participativos do que o habitual. De tarde, ida a uma brevíssima consulta médica já prevista. Nas ruas, paira um silêncio quase ensurdecedor. Regresso ainda a tempo para participar numa reunião em linha com mais doze colegas da Faculdade. Duas horas de trabalho proveitoso. Foi bom falar com eles.
Quinta feira, 19 de março: continuam as aulas à distância. Dia de São José: telefono ao meu pai, com saudades de Paredes de Coura. Diariamente conversamos com a minha irmã e cunhado e sorrimos com as tropelias do pequeno Samuel via WhatsApp. Também meus sogros e cunhados vão bem. Até as trocas de e-mails profissionais manifestam a preocupação pelo Outro. À noite, já é uma rotina, juntamo-nos à varanda para aplaudir os profissionais de saúde.
Sexta-feira, 20 de março: apenas uma semana de confinamento e tanta coisa mudou. As refeições passaram a ser momentos sagrados. Quando se liga a televisão, as notícias são raramente boas. Por telefone, nem sempre. Uma colega recebeu a notícia que não está infetada. Um aluno, outro colega de trabalho e uma família de amigos não tiveram a mesma sorte… Tempos invulgares. Pedem-nos para não ceder ao pânico, mas nunca como hoje a minha geração viveu tempos de tanta incerteza. Se Deus quiser, vai correr tudo bem para a maioria.
Escreve-me um amigo de há décadas, hoje confinado no centro de Roma. Muitas vezes me repetiu este pensamento, mas só agora o interiorizei. Quando tiverem passados estes tempos conturbados e reler estas linhas, espero que tenhamos mudado o nosso modo de vida e não mais esqueçamos o que é realmente essencial: “um amigo é uma história que nos salva.”
Autor: Manuel Antunes da Cunha
“Um amigo é uma história que nos salva”
DM
21 março 2020