A Rússia, e todos os adversários da Aliança Atlântica, poderão ser tentados a testar até onde esta vai, sem reacção; de facto, o recuo e o isolacionismo dos Estados Unidos (EUA) pode gerar forte instabilidade no mundo e fortalecer a Rússia, pois, como se costuma dizer, “o caminho estará livre para o Czar se deitar e rolar”. Tudo isto salta aos olhos dos mais desatentos, dado o actual rumo dos acontecimentos.
2. Consta de relatório (cerca de 25 páginas) duma investigação dos serviços de inteligência americanos, que Putin “encomendou” uma campanha para influenciar as últimas eleições americanas, dada a sua “preferência clara” por Trump; os intentos russos teriam sido “minar a fé do povo americano no processo democrático” do país e “denegrir” a imagem de Hillary Clinton (a adversária democrata do republicano Trump), prejudicando a candidatura e consequente vitória da candidata feminina. De facto, parecia haver algo de estranho que os serviços secretos não conseguiam desvendar, entre essas duas personagens estranhas; desde logo, há algo de óbvio: ambos interessam-se sobretudo pelo mundo dos negócios, seja o magnata russo ou o multimilionário americano, orientados por um espectro unilateral de decisão que é o dos grandes negócios, e não pela visão multilateral decorrente da política; ambos são também “autocratas”, que convergem no modo de exercer o poder; se, do lado de Moscovo, isso se faz sem olhar a meios, do lado de Washington há as limitações impostas pela Constituição e o tradicional sistema de “freios e contrapesos” – peculiar da democracia estadunidense; e a intromissão de piratas informáticos russos nos “sites democratas” americanos não parece ter incomodado muito o novo inquilino da Casa Branca.
3. Como alguém já disse, “a Europa estará entalada entre os Estados Unidos e a Rússia”, numa situação inimaginável há um ano. Acresce que se aproximam eleições decisivas para a União Europeia (UE) – em Março na Holanda, Abril-Maio (1.ª e 2.ª voltas) em França, em Setembro na Alemanha, no início de 2018 em Itália (se não for antes). Ora, em todas estas eleições, a UE e o euro parecem estar sob forte fogo inimigo.
Por outro lado, os partidos anti-euro e anti-imigração europeus estão em crescendo nas sondagens; se, neste momento, as perspectivas de vitória desses partidos não estão asseguradas, tudo pode ainda acontecer, desde intromissões dos gigantes de Leste ou de Oeste enviesadamente por via informática, seja com ataques terroristas nos próximos meses, por essoutros inimigos dos valores e modo de vida dos europeus – os islâmicos. E quantos abstencionistas não poderão ainda vir a votar em partidos anti-europeus, levados por essa torrente populista, que diz só o que agrada aos eleitores, para se assenhorear dos seus votos?
4. Sem dúvida, a vitória de Trump nos EUA deu mais força a Marine Le Pen, candidata de extrema-direita à presidência da França; se ela ganhar, a França sairá da UE; e se a França sair, a UE acaba e, com ela, o euro. A Europa será então uma espécie de mosaico fragmentado à mercê de Putin, pois do outro lado do Atlântico conta com uns EUA ensimesmados em si mesmos; a próxima tentação de Putin poderá ser jogar duplamente com a Alemanha, avançar sobre a Ucrânia e, depois, sobre os Países Bálticos, e outros do Leste Europeu; o ser objectivo é recriar a União Soviética, com uma nova moldura – agora a União Eurasiana; foi ele mesmo que declarou que o fim da União Soviética foi a maior tragédia geopolítica do século XX. A tensão aumentará, os países começarão a juntar-se para mutuamente se protegerem, numa louca corrida armamentista. Tal panorama gerará um mundo muito instável e perigoso.
5. Num ano crucial como o de 2017, o próximo teste é já no dia 15 de Março, na Holanda – país co-fundador da CEE (antecessora da UE). Não obstante os bons resultados económicos reconhecidos, o actual primeiro-ministro, Mark Rutte, defronta-se com a onda populista de Geert Wilders – anti-europeia e xenófoba; e, com ela, toda a extrema-direita europeia, que voltará, com outros actores, nas eleições francesas, alemãs e italianas, com alguns cordelinhos manejados ao longe, de Oeste e de Leste, por Trump e Putin. Muito perigoso este ano de 2017!
O autor não escreve segundo o denominado “acordo ortográfico”
Autor: Acílio Rocha