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Teremos ouvido o segundo chamamento?

  1. São Cirilo de Jerusalém notou que quase todas as coisas são duplas em Cristo. É duplo é o seu nascimento: um na eternidade; outro no tempo. Dupla é também a Sua vinda: a primeira no silêncio de Belém; a segunda no fim dos séculos.

  2. E nós já teremos notado que Cristo faz igualmente um duplo chamamento? Acresce que só mergulhamos nas implicações do chamamento total de Cristo quando tomamos consciência do segundo.

  3. Inicialmente, presumimos que Cristo nos envia a missionar como entendemos. É mais tarde que nos capacitamos do que Ele nos manda, que pode não coincidir com o que queremos. Os discípulos da primeira hora passaram pelo mesmo.

  4. Não lhes foi fácil articular os dois chamamentos e demoraram bastante a aperceber-se das consequências do segundo. Embalados pelo primeiro chamamento, excederam-se em euforia perante aquilo que conseguiam (cf. Lc 10, 17). Moviam-se numa «pastoral de êxitos» e até alimentaram sonhos de poder (cf. Mt 20, 20-28).

  5. Não espanta que convivessem mal com o fracasso (cf. Mt 17, 17-18). E que não suportassem ouvir o Mestre anunciar a Sua morte (cf. Mt 16, 21-23). Quando esta ocorreu, fecharam-se em casa, moídos pela decepção (cf. Jo 20, 19). E, se alguns saíam, não disfarçavam a sua inveterada frustração (cf. Lc 24, 21-22).

  6. Assim somos nós, frequentemente. Planeamos, convidamos, reunimos, entregamo-nos e… frustramo-nos. Damos tanto para – muitas vezes – obter tão pouco e chegar a tão poucos. Nas horas de aperto, sentimo-nos isolados no inconsolável colo da solidão.

  7. Quando as presenças estão confirmadas, há sempre o risco de sobrevir um sem-número de imprevistos, a prenunciar ausências de última hora. Talvez ainda não tenhamos compreendido que tentar e insistir – mesmo sem conseguir – também tem o seu valor.

  8. Estamos demasiado formatados para o resultado garantido, para o êxito imediato. Já teremos escutado devidamente o segundo chamamento? É que – tal como a Pedro – Jesus, no segundo chamamento, adverte-nos de que nem sempre faremos o que queremos. Até podemos ir para onde não queremos (cf. Jo 21, 18). E isto pode doer.

  9. Se a adesão ao primeiro chamamento costuma ser alegre, audaz e até romântica, já a resposta ao segundo tende a ser mais amargurada, ainda que generosa. Mas é por ela que testamos o nosso amor.

  10. Foi no segundo chamamento que Pedro ouviu — por três vezes — a decisiva pergunta de Jesus: «Amas-me?» (cf. Jo 21, 15.16.17). E amar não é fazer o que o Amado quer?


Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira
DM

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21 maio 2019