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São Cirilo de Jerusalém notou que quase todas as coisas são duplas em Cristo. É duplo é o seu nascimento: um na eternidade; outro no tempo. Dupla é também a Sua vinda: a primeira no silêncio de Belém; a segunda no fim dos séculos.
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E nós já teremos notado que Cristo faz igualmente um duplo chamamento? Acresce que só mergulhamos nas implicações do chamamento total de Cristo quando tomamos consciência do segundo.
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Inicialmente, presumimos que Cristo nos envia a missionar como entendemos. É mais tarde que nos capacitamos do que Ele nos manda, que pode não coincidir com o que queremos. Os discípulos da primeira hora passaram pelo mesmo.
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Não lhes foi fácil articular os dois chamamentos e demoraram bastante a aperceber-se das consequências do segundo. Embalados pelo primeiro chamamento, excederam-se em euforia perante aquilo que conseguiam (cf. Lc 10, 17). Moviam-se numa «pastoral de êxitos» e até alimentaram sonhos de poder (cf. Mt 20, 20-28).
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Não espanta que convivessem mal com o fracasso (cf. Mt 17, 17-18). E que não suportassem ouvir o Mestre anunciar a Sua morte (cf. Mt 16, 21-23). Quando esta ocorreu, fecharam-se em casa, moídos pela decepção (cf. Jo 20, 19). E, se alguns saíam, não disfarçavam a sua inveterada frustração (cf. Lc 24, 21-22).
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Assim somos nós, frequentemente. Planeamos, convidamos, reunimos, entregamo-nos e… frustramo-nos. Damos tanto para – muitas vezes – obter tão pouco e chegar a tão poucos. Nas horas de aperto, sentimo-nos isolados no inconsolável colo da solidão.
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Quando as presenças estão confirmadas, há sempre o risco de sobrevir um sem-número de imprevistos, a prenunciar ausências de última hora. Talvez ainda não tenhamos compreendido que tentar e insistir – mesmo sem conseguir – também tem o seu valor.
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Estamos demasiado formatados para o resultado garantido, para o êxito imediato. Já teremos escutado devidamente o segundo chamamento? É que – tal como a Pedro – Jesus, no segundo chamamento, adverte-nos de que nem sempre faremos o que queremos. Até podemos ir para onde não queremos (cf. Jo 21, 18). E isto pode doer.
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Se a adesão ao primeiro chamamento costuma ser alegre, audaz e até romântica, já a resposta ao segundo tende a ser mais amargurada, ainda que generosa. Mas é por ela que testamos o nosso amor.
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Foi no segundo chamamento que Pedro ouviu — por três vezes — a decisiva pergunta de Jesus: «Amas-me?» (cf. Jo 21, 15.16.17). E amar não é fazer o que o Amado quer?
Autor: Pe. João António Pinheiro Teixeira