Nos últimos anos, alguns dos municípios mais bafejados pela crescente procura turística que se tem registado em Portugal resolveram aplicar um tributo sobre as dormidas em estabelecimentos hoteleiros, que baptizaram com a designação eufemística de “taxa municipal turística”. Nesta desenfreada corrida às receitas, as Câmaras Municipais de Braga e Guimarães também já se posicionaram, aprovando as propostas de regulamento que mais tarde serão submetidas às respectivas Assembleias Municipais.
A tributação turística é um fenómeno mundial e não faria sentido que os municípios não a perspectivassem como possível fonte de obtenção de receita, a fim de compensarem os custos municipais com a actividade turística exigidos pelo crescimento económico do sector. O problema é que estão a fazê-lo na modalidade de “taxa de dormida em estabelecimento hoteleiro” e nesta perspectiva tal tributo traduz-se num verdadeiro imposto, uma vez que não cabe no conceito de taxa, como vamos tentar demonstrar.
Sobre esta matéria e com a autoridade académica que se lhe reconhece, o Prof. Doutor Vital Moreira foi muito claro. Em artigo de opinião, publicado no Suplemento Dinheiro Vivo de 11/11/2018, disse que as ditas taxas turísticas “não são nem taxas nem turísticas, mas sim um imposto indirecto adicional sobre os serviços de hotelaria, a acrescer ao IVA estadual”. O mesmo é dizer, “trata-se de um verdadeiro imposto sobre a aquisição de serviços hoteleiros, sem ligação com nenhum serviço municipal específico”.
Neste momento, o enquadramento normativo dos poderes de criação, lançamento e cobrança de taxas por parte das autarquias decorre da Lei n.º 73/2013, de 3 de Setembro, que estabelece o Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais (RGTAL) e que, no seu artigo 3.º, define as taxas das autarquias locais como“tributos que assentam na prestação concreta de um serviço público local, na utilização provada de bens do domínio público e privado das autarquias ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares, quando tal seja atribuição das autarquias, nos termos gerais”.
Há muitos autores a pronunciarem-se sobre o critério de distinção entre impostos e taxas. Por razões de brevidade, diremos, sinteticamente, que os impostos são unilaterais por natureza, enquanto as taxas têm um carácter bilateral.
Isto significa que os impostos são contribuições exigidas a todos ou a uma certa categoria de pessoas, destinadas a financiar o Estado e as funções públicas em geral; enquanto as taxas, sendo também receita pública, consistem na contrapartida de um serviço específico prestado pelo Estado ou por uma autarquia local, sempre individual e exigível pelo respectivo pagador.
Ora, quem pernoitar num estabelecimento turístico ou de alojamento local de Braga ou de Guimarães não beneficiará, directa e pessoalmente, de um serviço público prestado pelos municípios, nem utilizará um bem público local. Por isso, o pagamento que a título de taxa turística vier a ser exigido aos turistas que pernoitarem não será uma taxa, no sentido rigoroso do termo, mas antes um imposto, uma vez que dela não irá decorrer uma prestação pública efectiva e individual em benefício dos respectivos utilizadores pagadores.
Deste modo, não estando configurada com carácter sinalagmático, a dita “taxa municipal turística” que vier a ser criada pelas Assembleias Municipais de Braga e de Guimarães padecerá de inconstitucionalidade orgânica, visto que a criação de impostos é da competência legislativa reservada da Assembleia da República.
Até ao momento ainda ninguém colocou no Tribunal Constitucional a questão da eventual violação da lei fundamental por parte dos municípios que já implementaram tal prática, mas não duvido que tal acontecerá, mais tarde ou mais cedo, à semelhança do que sucedeu com as taxas de protecção civil criadas pelos municípios de Lisboa, Porto, V. N. de Gaia e Setúbal, já declaradas inconstitucionais.
Autor: Florentino Cardoso