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Também precisam de tempo livre para brincar

1. Estamos a viver num tempo de estranho surrealismo político, que só pode ser mesmo um tempo de transição. E os sinais são tantos… Um exemplo: a revolução cultural da limpeza das florestas está a traduzir-se numa devastação e cortes cegos que faz mais estragos do que um incêndio por todo o país…Só falta exigir carpetes na floresta. Outro exemplo: toda a gente sabe que o país está mergulhado numa grave crise de natalidade, da qual já dificilmente há retorno; apesar disso, nem politicamente se fala no assunto nem nada se faz para o resolver. E cada vez se agrava mais: no 1.º trimestre deste ano, nasceram menos 371 bebés do que no mesmo período do ano passado. Mais: as Farmácias anunciaram, há dias, que as vendas da Pílula do Dia Seguinte aumentaram 45%. Não julgo a liberdade dos outros; lembro apenas que as opções individuais também têm uma dimensão social e que as condições políticas e sociais também as podem influenciar. Concluindo: as crianças tornaram-se “uma preciosidade rara” que deve ser muito bem tratada. Só que a moda social quase não lhes permite tempo livre para ser crianças: mal acabam o seu horário de trabalho na escola ou no jardim infantil, são levadas para centros de ocupação de tempos livres… e só regressam a casa, stressadas, lá para o fim da tarde. Esquecem-se que elas também precisam de tempo livre para brincar. Dir-se-á que, na maior parte dos casos, é por os pais estarem no emprego… É verdade. Mas, ninguém faz nada politicamente para melhorar essa dificuldade? Não admira, portanto, que se veja frequentemente crianças stressadas, ansiosas e com irrequietude… Agora, virou moda rotulá-las de hiperactivas (e medicá-las como tal) só porque andam mais agitadas e ansiosas… Cuidado, pois aquilo a que chamam hiperactividade pode muito bem não o ser… E se, em vez de comprimidos, lhe dessem mais atenção, afecto e tempo para serem crianças? Mas, há mais: as tais actividades de ocupação dos tempos livres podem ser subsidiadas, mas se as crianças ficarem em casa com a Mãe ou com os Avós já não se paga nada… Passa-se o mesmo com os idosos: se os puserem num Lar, podem receber ajudas de custo; se preferem ficar na sua casa, com um familiar a tomar conta deles, já não recebem nada. Porquê? 2. A criança precisa de tempo livre e de sentir que tem atenção para brincar. Brincar faz parte do seu desenvolvimento pessoal, intelectual, afectivo, social. Ao brincar, em seu modo de faz de conta, ninguém a critica se fez bem ou se fez mal, pode expressar os seus sentimentos positivos ou negativos, convive, constrói modelos de relação e de comportamento, descobre novas actividades, fala do seu dia a dia, constrói-se como pessoa. E, sentindo que estão com ela e estão atentos às suas necessidades, sente-se segura e confiante. Na escola ou jardim de infância é diferente, existe mais o grupo e menos o indivíduo e há regras que têm de cumprir. Isso é importante para a sua socialização, mas a criança também precisa da atenção e da relação de confiança mais próxima que só os Pais ou os Avós que ficam com ela lhe podem dar. Há o tempo da escola e há o tempo da família. É por isso que ela em casa se permite fazer coisas que sabe que na escola lhe são proibidas. E não é por falta de respeito aos pais ou aos avós que as faz; pelo contrário, é um sinal de confiança neles, porque sente necessidade de o fazer e sabe que o pode fazer, porque gostam dela e lho toleram. A vida não se faz toda direitinha como uma linha recta. Ninguém funciona assim… Muitas vezes, a necessidade de transgredir a regra é uma forma de a compreender e procurar aceitar. 3. Uma recomendação aos Pais: proporcionem às crianças tempo necessário para dormir. Elas precisam de dormir mais tempo do que o adulto. Um bom sono é essencial para a sua saúde, para o seu desenvolvimento e para a sua aprendizagem. Hoje, as crianças deitam-se tarde demais e levantam-se cedo demais… E também já é tempo de a Escola aprender que o tempo de a criança estar em casa não é para fazer trabalhos que deviam ter sido feitos na escola. Tantas vezes a criança, à noite, já não tem tempo nem disposição para fazer esses trabalhos, faz tudo a correr ou são outros que os fazem por ela… e depois fica ansiosa e dorme mal por causa disso. A escola não pode tomar conta da vida da criança… Um outro gesto que pode melhorar o sono da criança, desde que feito com o coração: os Pais irem despedir-se dela, ao deitar, contar-lhe uma história pessoal e dar um beijo. É tão íntimo, tão terno e tão calmante para a criança… E ela gosta tanto de falar disso aos amigos... São laços de afecto que se criam para a vida. Um dia, elas hão-de falar disso aos seus filhos... Para uma educação mais tolerante, os Pais não devem apontar, na cara, os erros dos filhos. Eles estão em crescimento e a aprender. Não exijam deles que sejam perfeitos de um dia para o outro (por acaso, os pais já são perfeitos?). E ouçam-nos e estejam atentos às suas queixas. Deixem-nos desabafar. Não os reprimam, chamando-lhe queixinhas. Isso afasta-os. Se lhes falta essa intimidade, eles sentem-se sós, ficam tensos, com dores de cabeça, dormem mal, andam distraídos na escola, com falta de apetite… Pode não se detectar nada fisicamente, mas o conflito íntimo está lá… E, quando prolongado e não resolvido, pode dar origem a formas de comportamento reactivo, que são difíceis de gerir e nem sempre os pais percebem e aceitam, porque funcionam como uma forma de recusa agressiva que pede atenção e carinho... Há quem lhe chame birras, mas isso não são birras. Conheci muitos casos destes, mas só me lembra de um em que os pais entenderam como deviam agir e o conflito se solucionou…
Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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22 abril 2018