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Sou um filho de Deus ou um pobre morcego?

Este tempo de confinamento ajudou-me a descobrir locais na internet onde encontrar alimento genuíno para a fome que todos sentimos de um sentido para a vida, mormente nestas condições tão dramáticas. Descobri ainda que, embora não em directo, podia ter acesso à missa do papa em Santa Marta, às 7 horas locais, 6 entre nós. Fiquei a saber que ele sempre se opôs à transmissão em directo dessa missa, mas que consentiu na sua difusão para, neste tempo de confinamento generalizado, poder ser voz de esperança para todos, como de facto o é. Acontece ainda que, num dos vídeos da TV2000, televisão da Conferência Episcopal Italiana, pude ver um encontro do padre Cantalamessa com a jornalista Monica Mondo. A última pergunta foi: como classificaria os 3 últimos papas, dado ter convivido muito com eles? E é bom lembrar que o padre Raniero é o Pregador da Casa Pontifícia – dele se pode ouvir a homilia em São Pedro, na Adoração à Cruz de Sexta-Feira Santa, entre outras. Foi ele que fez a exortação aos cardeais antes de entrarem para o conclave que elegeu Bento XVI e Francisco. Pois bem, depois de observar que cada papa tem o seu carisma e não pode haver a obrigação de quem o segue o imitar em tudo, definiu João Paulo II como o homem da visão global, artista, com um carisma arrebatador. Bento XVI, como o teólogo que tanto enriqueceu a Igreja e a leitura da Escritura com as suas intervenções e as suas encíclicas. Do Papa Francisco, confidenciou que, sendo essencialmente um Pastor, para ele, é a incarnação viva de Jesus Cristo. Eu, depois de ter assistido a várias das eucaristias em Santa Marta, corroboro a imagem que o padre Cantalamessa tem do Papa Francisco. O seu exemplo é uma lição contínua de humildade, simplicidade, entrega, preocupação com todos, doce interpelação movendo à conversão pessoal, piedade, devoção, escuta, silêncio adorante.... A eucaristia é solenizada a órgão e cânticos, com predomínio do gregoriano, concelebrada por dois sacerdotes e com a presença de dois leigos que ministram no ofertório, além das religiosas – 2 , creio – que alternam na leitura e salmo do dia. Não há Oração Universal, mas há 10 a 12 minutos de adoração a Jesus sacramentado, exposto na custódia sobre o altar. Depois de recitada a oração final da eucaristia, o Papa desloca-se ao altar e, com a custódia, benze pausadamente, num gesto de quem quer abranger na bênção o mundo inteiro. Depois de recolhido o santíssimo no sacrário, sem qualquer prece no final da bênção, o Papa faz a saudação final, e retira-se fazendo vénia ao sacrário, ao altar e à imagem da Virgem, diante da qual se demora enquanto se acaba de cantar o «Regina Coeli laetare», tão próprio deste tempo pascal. O Papa inicia todas as missas apresentando uma intenção pela qual especialmente celebra. A de 22 de Abril, por exemplo, foi a de pedir que a Europa se mantenha unida e seja fiel ao espírito cristão que animou os que são considerados os seus pais fundadores. A homilia é feita espontaneamente, a partir dos textos do dia, com as mãos no leccionário e recorrendo a ele várias vezes. E é feita naquele jeito muito especial de Francisco: pausado, sem ser arrastado; cheio de inflexões e pequenos gestos que materializam a ideia que está a expor. No dia 22, servindo-se de João 3, 16-21, realçou 2 pensamentos: a) O Crucifixo é o grande livro do amor de Deus. Um amor louco, no dizer de um místico. No crucifixo está toda a ciência e sabedoria verdadeiramente humana: Deus enviou seu Filho ao mundo para o salvar. b) esta luz veio ao mundo, mas os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. «São morcegos humanos, que só se movem na noite. É mais fácil viver nas trevas e por isso acabam por se habituar e tornam-se insensíveis à Luz. Os corruptos não sabem o que é a luz». E a pergunta final: «Eu caminho na luz ou nas trevas? Sou um filho de Deus, ou um pobre morcego»? Assim de contundente. Impossível ficar indiferente e não deixar bem gravada na mente e depois levar o coração, para não se deixar embotar, esta pergunta lancinante. Hoje, dia 25 de Abril, de que liberdade falam os nossos políticos? Porão a funcionar os olhos do coração que permitem chegar ao fundo dos problemas e ajudam a descobrir caminhos de uma civilização da esperança, que é muito mais que mero optimismo, dado ser uma força silenciosa, mas avassaladora, que transforma a existência dos homens e mulheres de fé? A civilização da esperança é contra o medo e a angústia, a tristeza e o desalento, a passividade e o cansaço. É a força que leva a construir a verdadeira civilização do amor. Apostamos nisso, ou continuamos a ser pobres morcegos, como questiona Francisco?
Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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25 abril 2020