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Sogras e noras: a propósito de uma comédia e da cultura intelectual!

É tempo de trazermos à colação um assunto que, na época, século II a. C., nos vai servir para equacionar o distanciamento que existia entre a cultura e o povo, na Roma Antiga. E este é também o pretexto para introduzir aqui a sugestão de uma proposta de leitura que mantém a sua actualidade: “A Sogra”, uma peça de teatro escrita por Terêncio, um poeta de ascendência africana, natural de Cartago, no norte de África.

A comédia subiu ao palco num momento em que Roma despertava para a importância da formação intelectual dos seus cidadãos; o livro escolar, por onde se aprendiam as primeiras letras, era aOdisseiade Homero, que no século anterior havia ocupado o lugar da Lei das XII Tábuas.

A sociedade romana abria-se a uma nova mentalidade insuflada pela crescente helenização da cultura, sendo o seu principal impulsionador o denominado Círculo dos Cipiões, dinamizado por Cipião Emiliano, que acolhia em sua casa pessoas irmanadas no mesmo ideal de mudança e afeição à cultura intelectual.

E terá sido este tempo de mudança a causa próxima das dificuldades para levar ao palco esta comédia. Com efeito, o poeta ousou afrontar uma certa visão tradicional, ou seja, em lugar das diabruras de uma sogra a infernizar a vida dos recém-casados, num ambiente cheio de alegres peripécias protagonizadas por escravos ladinos e jovens tão apaixonados quanto irresolutos, por velhos rezingões e prostitutas, um cómico bem alegre à maneira do teatro plautino, Terêncio, para usar as palavras do comentário de Donato, «às sogras, torna-as boas, e às mulheres da vida, fá-las sedentas de honestidade – contra o que a praxe havia divulgado», já sublinhou Delfim Leão.

Em suma, trata-se de uma luta contra os preconceitos sociais e a incompreensão, onde se põe em foco uma aguda problematização do papel feminino. E isto surpreendeu os espectadores, que o poeta decidiu contrariar, com consequências nefastas. Na verdade, a primeira tentativa de representação sucedeu nos Jogos Megalenses, em honra da deusa Cíbele, a Magna Mater, em Abril do ano 165 a. C.

Foi em vão, «um autêntico fracasso: – lê-se no Prólogo I – de tal ordem que não foi possível ver nem apreciar a peça. O povo, possesso da sua paixão, só tinha olhos e ouvidos para um equilibrista», como se pode ler na tradução aprimorada de Walter de Medeiros.

A este desfecho ajudou ainda a fama de uns puglistas, como se lê no Prólogo II. E é neste texto, que abria a terceira tentativa de representação da Sogra,que se fala da segunda tentativa falhada, por ocasião dos jogos fúnebres em memória de Lúcio Emílio Paulo, em 160 a. C.: «No início da peça eu estava a agradar; vai senão quando espalha-se o rumor de que iam dar um espectáculo de gladiadores; o povo concorre a toda a pressa, entra em polvorosa, a fazer escarcéu, a disputar lugares…».


Autor: António Maria Martins Melo
DM

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7 julho 2018