Quando procuro partilhar algumas noções de Sociologia com os meus alunos, convido-os sobretudo a ler nas entrelinhas da Comunicação Social e a observar o que se passa em seu redor. Não há aliás outra forma de analisar as maneiras de pensar, de agir e as relações entre os indivíduos ou grupos nos seus contextos sociais respectivos.
Por exemplo, quando abordo os conceitos de “poder” e de “violência simbólica” quase sempre recordo dois episódios que presenciei, há meia dúzia de anos, ao balcão da Loja do Cidadão, em Braga, e nas imediações da praia de Carcavelos.
Max Weber (1864-1920) define o poder em função da probabilidade que um actor social (indivíduo, grupo, Estado) tem de impor a sua vontade a outrem. Trata-se, em última análise, de uma situação de desigualdade.
No âmbito político, o poder associa-se às noções de território, de continuidade de grupo e de ameaça de aplicação da força física para impor o respeito pelas ordens/regras. Entre os grupos políticos, o Estado é a instância que dispõe do monopólio da violência legítima. Este tipo de poder assume expressões mais ou menos subtis, como naquela manhã de Primavera:
– Bom dia, venho requerer a renovação do meu passaporte, mas gostaria de fazê-lo com carácter de urgência, por favor.
– Sim, com certeza. Mas devo avisá-lo que, devido à greve na Imprensa Nacional/Casa da Moeda, de 30 de Abril a 2 de Maio, não é certo que receba o passaporte em 24 horas, mesmo pagando a taxa suplementar.
– Só tenho voo na quarta-feira da próxima semana… Mesmo que espere até segunda ou terça-feira, não tem importância…
– Mesmo assim, há muitos atrasos e pode levar mais tempo… E devo avisá-lo que se não receber o passaporte em tempo e horas, não poderá ser reembolsado da taxa suplementar, porque estou a avisar o cidadão do possível atraso.
– Há outra alternativa?
– Há a possibilidade de o requerer directamente no balcão do SEF no Aeroporto de Lisboa e recebê-lo na hora, mas com esta greve também pode não funcionar. Pessoalmente, não vejo que tenha outra alternativa senão pedir com carácter de urgência, pagar a taxa e esperar que venha em tempo e horas. O que vai fazer?
– Visto desta forma, acho que vou seguir o seu conselho…
Diz-nos Pierre Bourdieu (1930-2002) que a violência simbólica é a capacidade da(s) classe(s) dominante(s) em fazer aceitar uma dominação, num duplo movimento de reconhecimento (adesão do dominado à ordem dominante considerada legítima, "normal", "natural") e de desconhecimento (ignorância de que se trata duma dominação arbitrária, não necessária, não natural).
Por exemplo, a propósito da dominação masculina, salienta que os grupos em situação de dominação (os homens) impõem os seus valores aos dominados (as mulheres) que, depois de os terem interiorizados, se tornam artesãos da sua própria dominação. Nada melhor do que esta conversa entre um casal de jovens, para ilustrar a reflexão do sociólogo francês:
Ela: "Eh pá, o tipo conduz como um deficiente. É pior que uma gaja".
Ele: " Porquê?"
Ela: "Então não viste o que ele fez. Até eu conduzo melhor".
Tenho aproveitado estas férias para fazer jejum da comunicação social nacional, mas as capas dos jornais nacionais que vislumbro à mesa do café ou nos escaparates dos quiosques recordam-me que os tentáculos do poder continuam bem vivos em tempo estival.
Autor: Manuel Antunes da Cunha