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Silêncio: um tesouro a descobrir e saber apreciar

Sempre que se fala em renovação da pastoral, é vulgar pensar-se em iniciativas que mobilizem mais os leigos para participarem activamente, quer no culto, quer na vida da sociedade. Todavia, o papa Francisco encarrega-se constantemente de nos dizer que a principal obra de apostolado que devemos fazer todos os dias é a oração. A oração pessoal e a oração comunitária.

Que é um problema o facto de muitos cristãos rezarem muito pouco, a começar pelas crianças e jovens, ninguém o nega. Mas nem mesmo os adultos rezam conscientes de que a oração é a respiração da nossa vida espiritual. Da qualidade da nossa oração depende a qualidade da nossa vida espiritual. Sem uma vida espiritual de qualidade é impossível captivar seja quem for.

Participando numa das nossas assembleias litúrgicas, depressa nos damos conta de que se reza depressa e sem as devidas pausas. Há como que um horror ao silêncio! A começar pelos presidentes da celebração, os sacerdotes. Na Introdução ao Espírito da Liturgia, de 2001, o então cardeal Ratzinger afirma: «A actual educação litúrgica, tanto de sacerdotes como de leigos, encontra-se num estado deficitário preocupante – aqui há muito que fazer.» (p. 130)

Como em tudo na vida, para apreciarmos algo de verdade, temos que conhecer do que estamos a falar. A passagem da missa em latim para a eucaristia em vernáculo não foi acompanhada da indispensável formação litúrgica dos principais agentes – os sacerdotes – e muito menos dos fiéis leigos. Mas talvez que a principal obra de evangelização seja conseguir que os nossos fiéis compreendam o alcance daquilo em que participam quando estão presentes na acção litúrgica: o que se está a celebrar, com que gestos, matéria e palavras. Poucos são, por exemplo, os que têm consciência da beleza e alcance do benzer-se com o sinal da cruz. Ou da inclinação de cabeça ao dizer: «Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo».Se assim não fosse, não depararíamos com casos e casos de pessoas que fazem apenas um arremedo de sinal da cruz e que nunca inclinam a cabeça ao dizer a fórmula trinitária.

Hoje, queria deter-me na falta de silêncio nas nossas celebrações e da quase ausência de pausas na recitação dos hinos, orações e outras fórmulas sagradas, como o Credo e o Glória. Essa ausência estende-se à recitação do terço, mesmo quando ele é transmitido via rádio e TV como acontece algumas vezes em Fátima.

A falta de pausas e de momentos de silêncio para saborear o que se diz e se está a fazer é um triste sinal de que, para muitas pessoas, a oração não é um gozo, uma felicidade, uma alegria insuperável, mas apenas algo que há que debitar  de qualquer maneira e despachar quanto antes para cumprir uma obrigação ou para tentar agradar a um "deus" que se zangaria se nós não rezássemos. Sobretudo em momentos de aflição.

Na reflexão que o padre José Frazão apresentou aos sacerdotes no passado dia 10, visando a renovação da Igreja nos 50 anos de sacerdote do arcebispo Dom Jorge, falou precisamente da paixão e competência na oração que deve ser apanágio de um pastor de almas. E falou da importância decisiva do silêncio como instrumento essencial para ouvir o Espírito. Num mundo cheio de ruídos, o cultivo da oração e do silêncio é um valor por si mesmo.

Confrange ver como se reza em muitas das nossas assembleias: sem as devidas pausas entre as frases, sem a indispensável respiração que permite interiorizar e ter capacidade para dar a máxima expressão ao que se diz, vencendo a inevitável rotina e a toada monocórdica que infelizmente se observa nas nossas assembleias. A oração é feita sem verdadeira paixão e encantamento, porque, sem a devida respiração e consequentes pausas, é impossível saborear o que se está a dizer e recitar com empolgamento e a autêntica alegria pela dita de podermos dirigir-nos ao nosso Deus como ao mais terno dos Pais, por intercessão de seu filho Jesus, movidos pelo Espírito Santo habitando em nós.

Confrange-me ouvir debitar sem autêntica fé e unção do coração a oração antes da comunhão: «Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo». Aqui, a culpa de as pessoas caírem na rotina e no ritmo apressado é dos pastores que, em vez de darem o exemplo, se deixam arrastar pela multidão. Ora, o que se pede a um pastor é que ensine e dê o exemplo do que propõe que se faça.


Autor: Carlos Nuno Vaz
DM

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15 julho 2017