E ele – (sereno, crítico, contundente) Olha de vacanças está sempre tudo dito e redito: poucas, merecidas, mas só para alguns, tirando, embora, as borrifadelas de pouco civismo de certa gentinha por esse país abaixo e acima, a quem pouco mais sobra do que guinchar, saltando de galho em galho como qualquer troglodita ou homem das cavernas; e, quanto a rentrée, isso é treta de alguns políticos para dizerem que trabalham ao menos uma vez no ano, mas se esquecem de que as férias, por exemplo, dos deputados são fêmea.
E eu – Mas, há deputados que, mesmo dando a ideia de que trabalham pouco, têm sempre a cabeça a fervilhar de projetos para mudar o país real e profundo.
E ele – (risada e apupo) Sim, sim, sobretudo, os chamados parlamentares de bancada – levanta-senta-levanta-senta – que nem tempo têm de preparar discursos, dinamizar projetos, orientar comissões, coitadinhos; e vá lá o povo perceber que, mesmo assim, usufruem pensões de reforma, subvenções vitalícias, subsídios de habitação e transporte... chorudos.
E eu – Bem, bem, mas, então, a vida política vai mal?
E ele – (rezingão, demolidor) Mal é favor; péssima, péssima. É só ver os atropelos, os encontrões, as manigâncias para arranjar um emprego no Estado numa autêntica corrida às mamadeiras da res-pública e onde o compadre, a comadre e o sócio levam a primazia, talvez estejamos na era das cabeças grandes em vez das grandes cabeças; depois, a geringonça tremelica, range, resfolga mas não cai, pois as esquerdas gostam tanto do poder que são capazes de trair e até renegar a própria ideologia.
E eu – Mau, mau, mudemos de assunto. E os incêndios, meu caro?
E ele – (sem papas na língua) Interessam a muito boa gente que com eles faz negociatas; e, segundo os meus cálculos caseiros, 80% resultam de interesses obscuros (políticos, económicos e sociais) e 20% da imprevidência dos governantes e do simples acaso; mas, que se pode esperar de certa gentinha que é capaz de espancar a própria mãe para ganhar um lugar no pódio da política e a qualquer preço ou até enfrentar um pelotão de fuzilamento; depois, o Estado é o primeiro a dar mau exemplo, não limpando a floresta que lhe cabe e entre um verão e outro verão se esquece completamente de implementar as medidas que já estão no papel, só para inglês ver; porque há uma coisa que a maioria dos políticos não tem: é ser mudos, embora de palavras e boas intenções esteja o inferno cheio.
E eu – Credo, credo que estás mesmo azedo e do avesso. Já, agora, as eleições que aí vêm?
E ele – (risada estridente) Uma combinação charadística onde o regresso de alguns dinossauros como candidatos independentes é a forma de mostrar que ainda estão vivos para a democracia da treta; porque, sem dúvida, num tempo de arranjismos, manipulações e demagogias eles são o elo mais forte; também que se pode esperar de uma democracia que tantos embusteiros, trampolineiros, corruptos e vilões tem fabricado e mantido como amigos e defensores do povo?
E eu – Mas, então, e o futuro?
E ele – (tonitruante, firme) Com geringonça ou sem geringonça, com Coelho ou sem Coelho, com beijinhos ou sem beijinhos do Presidente, negro, nigérrimo; porque não há forma de sairmos do fundo do túnel, apesar da milagrosa luzinha que dizem já se ver; parece-me até que nunca houve luzinha nenhuma ou já se apagou de vez com tanta sopradela de certos políticos, gestores e banqueiros que, como morcegos, só se dão bem no escuro o que leva a que o fosso entre ricos e pobres seja cada vez maior e resultante da bagunçada, esbanjamento, exploração e roubalheira; depois, a partidocracia criou vícios que não é fácil debelar, levando muitos a viverem à sua sombra e a tomá-los, assim, por valores, critérios e atitudes de vida.
E eu – Bolas, bolas!
E ele – (mais loquaz e frontal) E mais e mais; enquanto povo tanto é espoliado, humilhado, roubado e ofendido, os saqueadores, corruptos e trampolineiros continuam à solta e sem pagarem pelos seus crimes fiscais e económicos, sobretudo quando um certo fundamentalismo (ideológico, político, cultural e económico) por aí vagueia e responsável é por antigos militantes da direita se passem para a esquerda e vice-versa ou um presidente da República apele constantemente ao consenso, ao apaziguamento e à paz social entre todos os portugueses, espalhando beijinhos, abraços e selfies, e os políticos continuem, como bois teimosos, a puxar cada um para seu lado.
E eu – Pois é, pois é, o melhor é ficarmos por aqui.
Despedimo-nos com um até breve e a certeza de que sempre fomos um povo de transigências, tergiversações e contradições; e a que, por falta de génio e sabedoria, difícil é pôr cobro.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado