No último artigo que enviei para o Diário do Minho, abordei a temática deixada à consideração de todos os fiéis sobre a santidade, por parte do Papa Francisco. Meta a ser assumida por todos os homens, nomeadamente por aqueles que, na sua vida de todos os dias, têm no trabalho profissional a maior fatia do tempo que os ocupa.
Se Cristo chama todos os homens a “ser perfeitos como o vosso Pai Celestial é perfeito”, seria completamente inadequado que o trabalho não fosse um parceiro privilegiado na santificação.
Se pensarmos um pouco, rapidamente concluímos que uma grande parte do tempo que ocupa a maioria dos homens se desenvolve na ocupação profissional. Horas e horas, dia após dia, numa cadência de obrigatoriedade e de esforço, o homem trabalha para os fins objectivos da sua vida: sustento de si mesmo e dos que dele dependem, execução de tarefas que visam o bem comum, aumento das capacidades potenciais que a natureza fornece de forma espontânea (por exemplo, a agricultura), realização pessoal, serviço à comunidade onde se insere, enfim, o trabalho é uma manifestação das grandes possibilidades que o homem possui.
Deus previu, desde o início da sua existência, que o ser humano ocupasse nestas tarefas uma boa parte da sua vida. Quando coloca os nossos primeiros pais no Paraíso, ordena que eles o guardem e o cultivem (Gén 2, 15), ou seja, que se aproveitem do que o ambiente onde foram inseridos lhes fornece para dele retirar, através do esforço profissional, os maiores benefícios, tanto mais que os incita a crescer, a multiplicar-se e a encher a terra (Gén 1, 28).
É, pois, o trabalho uma fonte de santificação. Deus quer que o homem a ele se entregue, não por se tratar de uma actividade negativa ou em si mesma ingrata, mas por se apresentar como forma através qual ele pode efectuar o que a sua natureza lhe permite, ao ser criado à imagem e semelhança do próprio ser divino (Gén 1, 28).
Se Deus, pela sua omnipotência e perfeição, é criador, o homem, parecido com Ele, consegue transformar com o seu esforço profissional o ambiente que o circunda (dádiva de Deus), tornando-o mais agradável e produtivo, mais acessível a uma existência de relação afável e amistosa com todos os outros seres, principalmente com os da sua natureza.
No entanto, para o trabalho ser santificável, é necessário que o trabalhador o faça em condições adequadas e que o seu fim seja probo e honrado. Claro que a forma como é executado tem de seguir estes mesmos percursos. Por outras palavras, um exímio carteirista não se santifica nem santifica o que faz, porque não exerce uma ocupação honesta.
Outra tentação que denigre a profissão é que se “venda” a alma ao trabalho, em prejuízo de outras obrigações, como atender a família, criar e manter boas relações de amizade, etc. Quem se deixa conquistar por esta atitude negativa, acaba por transformar o ambiente laboral numa espécie de arena de competição.
O companheiro que labuta ao lado transforma-se num rival ou concorrente de quem se suspeita de toda e qualquer boa intenção relacional. Enfim, o trabalho só é santificante e santificável quando se realiza com a perfeição que ele exige.
Um trabalho mal feito, por desleixo ou preguiça, não pode ser visto por Deus como algo de aceitável, mas apenas como matéria para Lhe pedirmos perdão.
Por isso, muitos cristãos têm o bom hábito de oferecer as horas profissionais a Deus, pedindo o seu auxílio para vivê-las com diligência e, muitas vezes, oferecendo até uma tarefa concreta que têm entre mãos, não só para a abençoar, como também para os ajudar a comportar-se como trabalhadores que dêem exemplo de seriedade no cumprimento dos seus deveres.
Em boa hora o Papa Francisco veio chamar-nos a atenção para a acessibilidade da santidade. Ser santo deve ser entendido como um horizonte aberto a todos os homens e, dum modo particular, para os que têm consciência da sua filiação divina.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva