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Sala de espera

O cronista viu e conta: na sala de espera de consultórios médicos, há tempos atrás, era um mundo de diálogos que se cruzavam como águas perdidas que encontram seu rio; dava para estarmos calados apenas a ouvir. Era a queixa contra o marido gastador ou violento, era a notícia de última hora sobre os amores da vizinha lá do prédio, era a divulgação da notícia da última novela da televisão, era o apontar de dedo ao chefe do seu serviço, era um imenso desbobinar de doenças que cada uma tinha, dos remédios que tomava e recomendava; também era o tribunal onde se julgavam os médicos: não valiam nada, conforme lhe receitavam mais ou menos remédios; os piores até nem as auscultavam, outro dissera-lhe que não tinha nada, ora logo ela que era um poço de doenças, nem olhou para mim, dizia uma mais abespinhada. E esta conversa metia as desconhecidas na conversa. As suas narrativas, contidas umas, ou exageradas outras até ao incrível, de acordo com a sensibilidade de cada oradora, fluíam com naturalidade. Por norma, os homens escutavam, o melhor que se lhe apanhava era um sorriso indefinido e deixavam que as comadres palrassem a seu belo prazer. Isto era assim na sala de espera de consultórios médicos: era um meio e processo de passar o tempo da demora. Hoje, na sala de espera de consultórios médicos, já não se fala. Na parede há sempre uma televisão ligada sem som para ninguém ver. Os olhos que dantes corriam de pessoa para pessoa, para melhor escutar o que dali saía, agora estão presos aos telemóveis digitais. Novos e menos novos, homens e mulheres, crianças acompanhadas ou adolescentes a presumir de adultos, não tiravam os olhos dos pequenos ecrãs; se não fosse uma tosse aqui, ou um puxar de pigarro mais acolá, dir-se-ia que estávamos numa antecâmara fúnebre. Olhos tão fixos no que vai no pequeno aparelho, ouvidos tão surdos para o que os rodeia, troncos curvados na ânsia de ficar mais perto das luzinhas dos aparelhos, deixam, a quem os observa, uma marca substantiva de como tudo mudou com os telemóveis. Que “estranha leveza do ser” que me desculpe Milan Kundera! Não dirá o cronista se isto é bom ou é mau. Ele só observa. Todos sabemos e sentimos que nada tem mão na tecnologia. Vejo netos a ensinar os avós e pais a perguntar aos filhos como se utiliza esta e aquela aplicação, como se acede pelo relógio de pulso à internet, ou como se programa o GPS para o trajeto da viagem. Para eles tudo isto é tão fácil! E isto faz desta geração digital um mundo de sós? Esta geração que se isolou no automóvel em vez de confraternizar no transporte coletivo, esta geração que fala sozinha na rua para o telemóvel, que ouve música enquanto anda ou se exercita no ginásio, que não vê ninguém na rua, que se isola da vida que o rodeia, será uma sociedade a caminho da solidão precoce? Mas o homem não é um ser social? Penso que não estão num mundo de sós. Ganharam, através das redes sociais outro tipo de socialização: combinam encontros e vão, mobilizam-se para diferentes tarefas de assistência social e aparecem, convocam manifestações e não falham, combinam tomar café juntos e lá estão, vivendo, deste modo, esta vida social com intensidade e sentido de grupo. Sem treta de comadre, quanto não com propósitos de solidariedade. Os movimentos de voluntarismo nunca foram tão expressivos. Mas já desponta uma outra sociedade, a da inteligência artificial. Mais solidão ou mais socialização digital? Não sei, mas sei que “todo o mundo é feito de mudanças”. Há que assumi-las por inteiro. São como os alcatruzes da nora: uns vêm outras vão.
Autor: Paulo Fafe
DM

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9 abril 2018