No dia 01 de Julho de 1867 foi aprovado o decreto-lei que, para crimes civis, aboliu a pena de morte em Portugal. Este facto, considerado um grande passo civilizacional, colocou Portugal como o primeiro país europeu a abolir a pena de morte. No âmbito da Justiça Militar a pena de morte prevaleceu com recuos e avanços, nomeadamente em 1911 e 1916. A pena de morte acabou por ser totalmente abolida, mesmo por traição em tempo de guerra, pela Constituição da República Portuguesa, de 1976. Face a crimes horrendos que nos chegam ao conhecimento, superficialmente somos levados a considerar, algumas vezes, que entre a morte do criminoso de sangue e a morte, direta ou indiretamente, de mais vítimas inocentes, o melhor seria aplicar a morte ao criminoso. Só que o grande dilema é que a justiça dos Homens nunca foi nem nunca será perfeita. Não raras vezes que, no Mundo, pessoas são condenadas à morte com base em intolerância política e religiosa, em enganos, em falsos testemunhos ou em erros judiciários. Nestes casos, se a pena já tiver sido executada, jamais será possível repará-la. Então, mesmo para os não Cristãos, o que deve ter estado na base daquele passo civilizacional, de 1867, é a máxima de que será sempre um bem maior ter alguns criminosos vivos ou livres do que a morte ou prisão de um único inocente. A este princípio ou valor não é estranho, também, o início da implementação dos direitos Humanos, nomeadamente o valor da vida, direitos e garantias de cada cidadão.
Era muito jovem o autor do presente texto quando um homem, com pouco mais da média idade, numa aldeia, concelho de Ponte da Barca, amiudadas vezes tomava a decisão de se querer matar. Saindo de casa, no âmbito da sua liberdade, os familiares apercebendo-se umas vezes outras não, normalmente dirigia-se para junto do rio Lima. Aqui chegado, umas vezes molhando os pés outra já com a água pela cintura, o mesmo homem acabava sempre por regressar a casa. Entre o momento da decisão e a concretização do ato, o homem sempre se arrependia, optando por viver e acabando a sua vida de morte natural. As causas de cada ser Humano, perante a vida e perante a morte, de querer ou não querer momentaneamente viver, são insondáveis. A liberdade individual, ao contrário da dimensão da vida, não é um valor absoluto. Para que haja liberdade terá de haver vida. Por outro lado, o Homem é um ser livre e simultaneamente um ser social. Por isso, a liberdade fazendo parte da sua razão ao mesmo tempo implica e faz parte do complexo social e, como tal, filosoficamente transcende os limites do nosso entendimento, como nos explica Kant. Sabemos que os defensores da eutanásia, ou morte assistida, rejeitam fazer comparações entre a pena de morte e a eutanásia. Há, porém, duas realidades que lhes são comuns. O criminoso cometeu o crime no âmbito da sua liberdade e quem pede a eutanásia, segundo os defensores da mesma, deve faze-lo, também, dentro da sua liberdade. Quem aplica a pena de morte é um juiz ou juízes e quem aplica a morte para concretizar a eutanásia, em última instância, é um médico, direta ou indiretamente. A grande contradição, relativamente à eutanásia, é que nunca poderá haver a garantia absoluta de que o pedido da mesma é verdadeiramente livre e inequívoco. Porque traduz um estado de espírito, quase sempre, momentâneo, de solidão, de abandono, de falta de cuidados que atenuem o sofrimento e de falta de amor.
O PSD, Partido Social Democrata, tem como votantes, simpatizantes e militantes várias tendências. Personalistas, humanistas, liberais, populares e muitos Cristãos. O seu atual líder, Rui Rio, é um homem de ruturas, não agregador que, em nosso entender, embora tenha ganho o partido, dificilmente ganhará parte significativa do país. Tem todo o direito de ser agnóstico ou ateu mas terá de respeitar todos aqueles que, não sendo como ele, são Cristãos. Na questão da eutanásia tomou partido semelhante aos radicais de políticas fraturantes da sociedade. Não respeitou as deliberações do último congresso do seu partido, não quis e não quer esclarecer o povo, não quer um referendo para ouvir os portugueses e, possivelmente, quer impor a eutanásia à força. Ou será que considera a eutanásia, ou de novo a implementação da pena de morte, como avanços civilizacionais? É a constante degradação dos princípios e valores. É o andar em sentido contrário da história. É o abrir de uma via, qual rampa deslizante, que põe em causa o primeiro princípio do ser Humano- o valor inviolável da vida.
Autor: Abel de Freitas Amorim
Rui Rio e a Eutanásia
DM
14 março 2020