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Resiliência, inovação e transpiração

Assisti com agrado à apresentação do Plano de Recuperação e Resiliência para Portugal, na passada quinta-feira, no Altice Forum de Braga. Uma oportunidade para perceber in loco os caminhos que estão a ser desenhados e uma primeira conclusão sobressai da longa apresentação do professor Santos Silva: mal ou bem pela primeira vez vi alguém a desenhar uma visão integrada para o país.

Também ouvi os arautos da desgraça a dizer que há uma excessiva preocupação com o investimento público e pouca atenção às necessidades dos empresários. Engraçada esta postura de quem defende ao mesmo tempo o seu e o seu contrário. Vejamos: os empresários tem reivindicado e bem a necessidade de concluir os investimentos em infraestruturas rodoviárias e ferroviárias que permitem o fácil acesso aos mercados (nacional e internacional); defendem a inovação da Administração Pública e apoiam os investimentos em cluster’s como o Mar, a Saúde e o Espaço; são os mesmos que tem defendido a aposta na formação e na educação; os mesmíssimos que querem a tecnologia como parceira e tudo o que ela significa para a transformação do tecido produtivo, mas também para os serviços de que se servem. E no entanto, aparecem neste debate como se o plano não combinasse tudo aquilo que defendem.

Ora, o plano dá resposta a todas estas questões, mas há algo que o documento – pode e deve ser suficientemente flexível para se ajustar a qualquer conjuntura – não contém e que é em primeiro lugar da responsabilidade dos empresários: a sua capacidade de resiliência. Ora, o que a presente crise nos ensinou até agora, é que muitos dos arautos da desgraça nunca se capacitaram ou capacitaram-se mal para poderem capitalizar em momentos de crise. O que muitos empresários não foram capazes foi de aproveitar a oportunidade que tiveram para modernizar o seu tecido produtivo, inovando e apostando em novas tecnologias, capazes de reduzir os custos, numa lógica de otimização de recursos e de criação de valor acrescentado.

Transversalmente a esta inglória postura, temos uma boa parte do tecido empresarial avesso ao risco, incapaz de lidar com a incerteza, demasiado acorrentado a velhas fábulas da economia das quais não se consegue livrar, porque lhe falta algo que é de base: a sua própria formação. Críticas à parte, o plano apela à nossa capacidade de trabalho para darmos resposta aos desafios que ele comporta- um trabalho de todos que vai exigir muita transpiração, pés bem assentes no chão e uma grande capacidade de mobilização dos recursos nacionais. O que se espera é que saibamos capitalizar os fluxos financeiros e que no plano político haja de forma clara uma intervenção do poder local que maximize os diferentes projetos nos seus territórios, sabendo que continua a ser verdade que um euro investido pelas autarquias tem um retorno três vezes superior ao da Administração Central e essa é uma evidência com que temos de nos debater, como aliás defendeu e bem o autarca de Braga, anfitrião desta apresentação. O documento é “farto” em apontar caminhos para as cidades, o que diz bem da importância do papel que os territórios urbanos vão desempenhar no futuro. Apesar disso, há uma teimosia viciante em torno do conceito das Smart Cities – provavelmente do agrado de muitos presentes – e pouca clarificação no que é crucial e aparece relegado neste documento, apesar de citado: a necessidade de alterarmos os modelos de governação. Não haverá dinheiro que chegue e não seremos eficientes e eficazes se não moldarmos as perspetivas do poder autárquico e da administração central. Numa coisa, os empresários têm razão: há que desfazer a pirâmide do poder burocrático que sustenta muito emprego público, pouco proativo, mal formado e desenhado para as necessidades atuais. Não tenho dúvidas que esta questão será tema de debate para a próxima contenda eleitoral nas centenas de autarquias e se na Europa há imensos exemplos que podem ser copiados, os autarcas portugueses – atuais e futuros – terão de se capacitar que ou mudam ou serão mudados pelos cidadãos que não perdoarão que se falhe na nova demanda para Portugal – uma oportunidade para alavancarmos de forma definitiva o nosso futuro coletivo.


Autor: Paulo Sousa
DM

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23 novembro 2020