A pandemia Covid-19, que num curto lapso de tempo pôs o mundo em alvoroço pela incapacidade de a impedir, pelas dificuldades em a controlar e, principalmente, pelos efeitos catastróficos que temos testemunhado, remete-nos para a nossa pequenez nas maravilhas da Criação e obriga-nos a uma profunda reflexão.
Uma profunda reflexão que não pode deixar de abarcar as suas possíveis causas, as consequências já conhecidas e os novos desafios trazidos à Humanidade em geral e, em particular, a cada um de nós agora e no amanhã.
No que às causas diz respeito, embora ainda haja quem questione a origem do vírus responsável pela pandemia, o mais provável é que tenha resultado da passagem de um qualquer animal selvagem para o homem, resultante da promiscuidade entre este e aquele. Não é verdade que os chineses e outros povos asiáticos são capazes de comer morcegos, répteis e outras espécies exóticas? Não é verdade que estas práticas consubstanciam um ataque à vida silvestre? E que dizer sobre a exploração desenfreada dos recursos naturais como a desflorestação desregrada e a sempre crescente exploração de combustíveis fósseis responsáveis pelas alterações climáticas já bem evidentes em todo o planeta?
Quanto às consequências imediatas desta verdadeira catástrofe são já bem evidentes. A par da perda inusitada de muitos milhares de vidas humanas, assistimos à redução drástica da atividade económica, ao galopante aumento do desemprego e à correspondente redução de rendimentos. Ao não dispormos de qualquer arma eficaz para combater a doença a não ser evitar o contágio, fomos remetidos para o isolamento social e obrigados a uma alteração drástica do estilo de vida a que estávamos habituados.
Se em plena pandemia os seus efeitos são imediatamente visíveis e nos levam a múltiplas interrogações, que dizer dos desafios que nos irá colocar no futuro próximo?
Conceitos tão simples como a noção de liberdade individual e coletiva, que julgávamos definitivamente adquiridos, poderão estar ameaçados e, consequentemente, os pilares dos regimes democráticos postos à prova. Os adeptos dos nacionalismos mais conservadores encontrarão facilmente novos argumentos contra a globalização, responsabilizando-a em boa parte pelo aparecimento desta epidemia a nível global.
De modo semelhante, a valorização dos serviços de saúde deverá ser olhada não tanto como uma despesa necessária, mas sobretudo como um investimento estratégico.
No que à Educação diz respeito, tomando como ponto de partida as soluções agora encontradas para terminar o ano escolar, deverá continuar a sofrer uma revolução nos seus métodos e modelos, garantidos que sejam os meios financeiros necessários para se adaptar aos novos tempos e pôr em prática um ensino de qualidade capaz de não aprofundar as desigualdades existentes.
Se estas importantes áreas de qualquer país devem ser olhadas com redobrado cuidado de forma a proporcionar um crescimento harmonioso e a dar uma igualdade de oportunidades universal, que enunciar para a Economia?
A Economia como trave-mestra de qualquer sociedade que se quer solidária, desenvolvida e geradora de progresso não poderá continuar a reger-se pelos mesmos padrões que nos conduziram a este estado de calamidade e de impotência. Deixando para os peritos nesta matéria as mudanças que se impõem fazer à luz das lições da atual conjuntura, não estarei longe da verdade se afirmar que em cima da mesa não poderão faltar temas essenciais a uma verdadeira transformação. Temas como um combate sério às alterações climáticas, uma gestão sustentável dos recursos naturais, uma aposta mais incisiva nas formas de energia renovável serão obrigatórios na busca de outro caminho que vá ao encontro de uma verdadeira economia verde.
Estes são seguramente alguns dos desafios que a pandemia do Covid-19 nos trouxe preenchendo de desassossego e de grandes incertezas o tempo que agora vivemos. Porém, não é menos verdade que a nova realidade transporta em si própria perigos reais que não podemos descurar.
A perda de liberdade a que já estão sujeitos muitos cidadãos em função da sua saúde ou do seu grupo etário é um facto insofismável. A suspensão de outras liberdades por quem é detentor do poder, mesmo argumentando ser em prol do bem comum, é um precedente perigoso para quem ama a autonomia na decisão e defende a democracia.
Prezo a liberdade em toda a sua plenitude. Por isso, aceito com humildade democrática o confinamento obrigatório e o isolamento temporário dos mais velhos, apenas pelo tempo estritamente necessário para conter a pandemia.
Não posso aceitar que para tentar impedir a morte de alguém por este coronavírus se condene essa mesma pessoa a morrer de saudade na solidão.
Logo que possível, há que encontrar os meios necessários para libertar os mais velhos, sobretudo os residentes nos lares, desta real tirania.
Autor: J. M. Gonçalves de Oliveira
Reptos e riscos da pandemia

DM
28 abril 2020