Quando, há 20 ou 30 anos, muitas das nossas estradas, ruas e avenidas foram alargadas e repavimentadas, provavelmente a reboque de fundos comunitários, todos nos alegrámos com as maravilhas de um progresso que parecia finalmente chegar à porta das nossas casas. Estradas mais largas, piso mais liso, viagens mais rápidas... Que mais se poderia desejar?
No entanto, décadas volvidas sobre esse impulso de empreitadas rodoviárias, começamos a perceber que andámos a seguir uma estratégia baseada numa série de pressupostos incorretos, pelo que urge repensar a nossa rede viária, analisando de forma objetiva e crítica o seu impacto real nos nossos padrões de mobilidade e na nossa qualidade de vida.
Mais do que nunca, dependemos do automóvel particular, muitas vezes como transporte individual. Mesmo em muitos dos casos em que a distância a percorrer é curta, digamos, de 2 ou 3 quilómetros (uma distância que se faz em 20 ou 30 minutos a pé, ou em cerca de 10 minutos de bicicleta), as velocidades excessivas do trânsito motorizado e a gritante inexistência de vias seguras para ciclistas, bem como de passeios ou bermas para peões, tornam muitas dessas viagens particularmente arriscadas. Além disso, na maior parte dos locais ainda não há estacionamentos adequados para bicicletas e, para piorar a situação, a rede de transportes públicos existente é, infelizmente, insuficiente para dar resposta a essas necessidades.
Qual é o problema nisto? É que, por um lado, obriga as famílias a encargos elevados na compra, abastecimento e manutenção de mais carros do que os que deveriam ser necessários para o seu dia-a-dia. Dinheiro que poderia ser melhor investido em alimentação saudável, em melhores condições de habitação, na educação dos filhos, na formação pessoal, na cultura ou até mesmo em atividades de lazer. Por outro lado, ao deixar de utilizar os modos ativos – isto é, as deslocações a pé ou de bicicleta – agravamos a tendência geral de adoção de um estilo de vida sedentário, com graves consequências para a saúde.
Além disso, se quisermos abordar a questão também do ponto de vista económico, podemos afirmar, sem qualquer dúvida, que a construção e manutenção da rede viária (quase toda ela em função do automóvel), juntamente com as despesas com o tratamento de doenças relacionadas com a falta de atividade física e a exposição à poluição são duas das categorias onde a despesa pública é mais elevada, e onde uma visão estratégica de longo prazo permitiria alcançar poupanças substanciais.
Apostar numa mobilidade mais sustentável (que é como quem diz, mais ecológica e mais saudável, mais económica para o Estado e menos onerosa para os cidadãos) é um investimento que traz benefícios para todos. A nível individual e coletivo, com alguns benefícios imediatos, e outros que se traduzirão numa melhor qualidade de vida para as gerações que aí vêm. O futuro começa agora. Por que esperamos?
Autor: Victor Domingos
Repensar a mobilidade e a qualidade de vida
DM
11 agosto 2018