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Regresso à igreja doméstica?

1. Talvez, para alguns, possa parecer polémico falar em regresso à igreja doméstica a propósito da situação de quarentena que as famílias cristãs vivem hoje, em casa. Claro que nunca será (ou seria) um regresso ou uma repetição, porque a História não se repete, mas tenderá a ser um processo algo semelhante com especial incidência no papel da família como célula base da igreja. Seja como for, a vida ensinou-me que a polémica está no nosso olhar e não na realidade... Aliás, a única maneira de conhecer a realidade e descobrir o seu sentido é observá-la sem preconceitos, porque a realidade é como é (objectiva) e não aquilo que nós desejávamos que fosse (subjectiva). Sem uma observação imparcial não há ciência nem respeito pela diferença uns dos outros. E, depois, as coisas mudam, mesmo contra a nossa vontade e contra a força das tradições...e não temos outra opção senão adaptarmo-nos. A capacidade de adaptação é um dos sinais mais visíveis de inteligência. Para Piaget, é a expressão da inteligência. Hoje e aqui, a realidade social dominante é o “corona vírus” na nossa vida e as suas consequências. E a mensagem que daí podemos tirar é a necessidade de adaptarmos as nossas vidas a essa realidade. Foi tudo muito de repente. O vírus irrompeu pela nossa vida dentro (isto é, pelas nossas células dentro) sem avisar e sem ser conhecido, alastrou por todo o mundo (daí ser designada por pandemia), tem alto poder de contágio, depois de infectar passa a comandar a célula, multiplica-se vertiginosamente e vai semeando a morte, sem olhar a idades, embora as vítimas mais vulneráveis se situem entre os mais velhos e aqueles que têm outras fragilidades e mais baixa defesa imunológica, fumadores incluídos… Hoje, pelas ruas quase se ouve o silêncio, para além dos passarinhos a cantar na Primavera e de um ou outro cão impaciente a ladrar, talvez por causa do silêncio ansioso do dono. Raramente passa um carro. O medo anda estampado nos rostos das pessoas. Esse mesmo medo que fez esquecer os diletantismos corrosivos e estéreis com que certos grupos sociais ditos de esquerda se entretinham, ameaçando abalar os alicerces da nossa cultura judaico-cristã, sedimentada ao longo de vinte séculos e deixando o povo em ansiedade: eles que brincavam à eutanásia, para os outros, ficaram agora sem chão debaixo dos pés, com medo da morte. Nem falaram mais das delirantes representações da sexualidade, copiadas de alguma mente mais insana, que certa comunicação social papagueava, como se vivessem noutro planeta... 2.Todos foram obrigados a refugiar-se no interior da célula familiar, para se protegerem do contágio, dando valor prioritário àquilo que realmente é importante: a vida. E foi assim que, de um dia para o outro, nos vamos confrontando com novas maneiras de estar na vida e em sociedade. Como seres sociais que somos, precisamos da proximidade uns dos outros para nos comunicarmos; mas, de repente, tivemos de criar distância física entre nós para evitar o contágio deste vírus, porque podem estar infectados sem ainda ter sintomas. Talvez isto nos ajude a dar mais valor aos gestos de amizade… Do ponto de vista social, o ponto crucial desta epidemia do corona vírus é precisamente esse: pôr em perigo todas as actividades que implicam proximidade, trabalho, comércio, transportes, ensino, relações de afectividade, relação clínica, enfermagem, encontros religiosos…porque tudo se baseia na proximidade. É ainda não se sabe como vai ser a convivência de amanhã, as mudanças que vai implicar, precisamente porque ele afecta a proximidade pessoal e as pessoas não podem arriscar a tê-la. E mesmo que se consiga uma protecção imunológica através de uma vacina e um medicamento para curar eventual infecção, sabe-se que o vírus veio para ficar e exigirá sempre resguardo e cuidados. A retoma da normalidade vai depender do controle que se conseguir da sua transmissão e das defesas que se conseguirem criar para o conter. É isso que vai ditar as formas de convivência social e de encontro, inclusive as formas de expressão social da igreja. Continuaremos a analisar este tema, que nos entra pela vida dentro. Uma Páscoa Feliz para si!
Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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12 abril 2020