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Reforma obrigatória aos 70 para haver emprego aos 25

Parece que o governo pretende pôr fim à reforma obrigatória aos 70 anos na administração pública. Alegadamente, para seguir uma recomendação votada na Assembleia da República em 2016 pelo PS e pelos partidos à sua direita. Alegadamente, também, para que todos aqueles que, depois dessa idade, ainda tenham energias para trabalhar, possam continuar a ser úteis à sociedade. A comunicação social, aliás, fez eco desta última justificação, cedendo generosamente as suas páginas e o seu tempo a um punhado de “vítimas” da reforma obrigatória, nem faltando a referência manhosa a que essa disposição legal datava da época da ditadura. Como se trabalhar depois dos 70 tivesse algo que ver com democracia… E certamente não é por acaso que nunca ouvimos nenhum ex-professor (destes que davam mesmo aulas, não directores ou professores destacados em cargos longe das escolas) lamentar ter sido obrigado a reformar-se antes dos 70. Muito pelo contrário, por via das medidas tomadas pelo governo Sócrates e continuadas pelos seus sucessores, foram milhares os professores coagidos a reformar-se, mesmo com grandes penalizações, muito antes dos 65, e milhares de outros só lamentam não o poder fazer hoje mesmo. E, sem dúvida, o mesmo poder-se-á dizer de outros trabalhadores da administração pública, de idade avançada mas sem cargos de direcção, todos eles vítimas na última década de cortes salariais e de aumentos do horário de trabalho e das situações de assédio moral (para usar um eufemismo) nos seus locais de trabalho. Aliás, nem de propósito, os testemunhos a favor desta medida provinham invariavelmente de presidentes de instituições científicas, professores catedráticos, chefes de serviços, directores de departamentos, etc. Em suma, sempre de chefes, nunca de subalternos! Mas, procurando colocar-nos na pele de quem poderia beneficiar da revogação do impedimento legal, sem dúvida poderá ser decepcionante para alguém, que se sinta no pleno uso das suas capacidades, ser obrigado a deixar o emprego, apenas por causa da idade. Contudo, como os próprios testemunhos revelam, pessoas activas na sua profissão podem ainda assim arranjar ocupação para o tempo agora disponível, quer trabalhando no sector privado (como muitos médicos), quer cultivando hobbies, quer (porque não?) cuidando dos netos. Nas universidades, aliás, sempre houve lugar para docentes jubilados que, além de continuarem a investigar, podem partilhar experiências com colegas mais novos. Só não podem é ganhar tanto dinheiro, nem exercer poder sobre os outros… E, mesmo que fosse necessariamente nefasto para o bem-estar dos funcionários públicos de idade avançada ser obrigado a reformar-se depois dos 70, esse mal seria muito menor do que a consequência de que não se fala: a (ainda) maior dificuldade de criação de emprego público para jovens tão ou mais habilitados academicamente do que aqueles que não se querem reformar. Se excluirmos as forças armadas e de segurança, temos actualmente, por cada funcionário com menos de 30 anos de idade, oito funcionários com 55 anos ou mais. O governo ainda acha que são poucos? Indo mais além, pode-se sem exagero taxar de imoral esta medida, quando dezenas ou centenas de milhares de jovens com curso superior foram obrigados a emigrar por não terem emprego ou quando outros tantos continuam a vegetar em empregos precários e mal pagos em Portugal. É justo que seja esse o preço a pagar por esses jovens, apenas para que outros profissionais, que usufruíram de uma carreira bem-sucedida e bem paga durante 40 anos, possam ter a liberdade de prolongá-la por mais alguns anos? Como é evidente, não é no bem-estar dos profissionais mais idosos que o governo está a pensar. O fim da reforma obrigatória aos 70 serve outros propósitos, estes sim inconfessados: o primeiro é a não abertura e depois extinção de lugares na função pública, aliada à poupança de dinheiro com reformas; o segundo, algo maquiavélico, promover sub-repticiamente um crescimento ainda mais acelerado da idade normal da reforma. E pensar que esta medida está a ser equacionada por um governo dito de esquerda…
Autor: Ana Correia e José R. Ribeiro
DM

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26 agosto 2018